ATA DA
TRIGÉSIMA TERCEIRA SESSÃO SOLENE DA QUINTA SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA NONA
LEGISLATURA, EM 29.09.1987.
Aos vinte e
nove dias do mês de setembro do ano de mil novecentos e oitenta e sete
reuniu-se, na Sala de Sessões do Palácio Aloísio Filho, a Câmara Municipal de
Porto Alegre, em sua Trigésima Terceira Sessão Solene da Quinta Sessão
Legislativa Ordinária da Nona Legislatura, destinada à entrega do título
honorífico de Cidadão Emérito ao Sr. Luiz Carlos Prestes, concedido através do
Projeto de Resolução nº 04/87 (proc.nº 571/87). Às dezesseis horas e vinte e
oito minutos, constatada a existência de “quorum”, o Sr. Presidente declarou
abertos os trabalhos e convidou os Líderes de Bancada a conduzirem ao Plenário
as autoridades e personalidades presentes. Compuseram a MESA: Ver. Brochado da
Rosa, Presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre; Dr. Pedro Simon,
Governador do Estado do Rio Grande do Sul; Dr. Alceu Collares, Prefeito
Municipal de Porto Alegre; Drª. Cléa Maria Carpi da Rocha, Vice-Presidente da
Ordem dos Advogados da Brasil; Dr. Ariano Prestes, Diretor-Presidente da
Fundação Cultural Prestes; Profª. Neuza Canabarro, Secretária Municipal de
Educação e Cultura; Sr. Luiz Carlos Prestes, Homenageado; Srª. Maria do Carmo
Ribeiro, esposa do Homenageado; Ver. Pedro Ruas, proponente da Sessão e , na
ocasião, Secretário “ad hoc”. Ainda, o Sr. Presidente registrou as presenças do
Dr. Jarbas Pires Machado, Secretário da Agricultura do Estado do Rio Grande do
Sul; Dr. Cláudio Accurso, Secretário do Planejamento do Estado do Rio Grande do
Sul; Ver. André Forster, Superintendente da Metroplan; Srª. Julieta Batistioli,
primeira Vereadora a participar deste Plenário; Dep. José Fortunati, do PT; Sr.
Antônio Cândido, ex-Vereador desta Casa. A seguir, o Sr. Presidente concedeu a
palavra aos Vereadores que falariam em nome da Casa. O Ver. Pedro Ruas, como
proponente desta Sessão, saudou o ex-Senador Luiz Carlos Prestes, o “Cavalheiro
da Esperança”, dizendo que ele representa a própria história do Brasil, a essência
da luta de um povo oprimido em busca da sua liberdade. Declarou que é esta Casa
que se encontra sendo homenageada pela presença de S.Sª., discorrendo sobre a
vida, a ideologia política e as campanhas de Luiz Carlos Prestes ao lado do
povo, na procura de uma manutenção da esperança e da luta pela justiça social e
contra o arbítrio. O Ver. Adão Eliseu, em nome das Bancadas da PDT e do PDS,
comentou a biografia do homenageado, discorrendo sobre suas campanhas políticas
e revolucionárias especialmente sobre a “Coluna Prestes” a qual atravessou o
Brasil de Sul a Norte e de Leste a Oeste, em pregação libertária. Ao finalizar,
leu depoimentos de personalidades mundiais, entre eles o de Pablo Neruda,
Romain Rolland e Dolores Ibarruri, a respeito do homenageado. O Ver. Werner
Becker, em nome da Bancada do PSB, saudou o homenageado mencionando trechos do
escritor brasileiro Jorge Amado e do poeta chileno Plabo Neruda, sobre sua
vida. Lembrou a trajetória revolucionária e política de Luiz Carlos Prestes,
que empenhou toda sua vida, na luta contra a injustiça social e opressão nosso
povo. O Ver. Antonio Hohlfeldt, em nome da Bancada do PT, disse que esta Casa,
composta de partidos de ideologias diferentes, hoje se une para homenagear um
homem que represente que o protesto e a luta do povo brasileiro pela liberdade
e contra a injustiça social . Leu depoimento de personalidades mundiais, onde é
ressaltada a importância da luta política empreendida pelo Sr. Luiz Carlos
Prestes, em prol do comunismo. E o Ver. Flávio Coulon, em nome da Bancada do
PMDB, lembrou que a figura mitológica que povoou os sonhos de sua juventude,
ainda hoje povoa os sonhos da juventude brasileira. Saudou S.Sª., dizendo que o
“Cavalheiro da Esperança” continua sendo a única esperança do povo brasileiro.
A seguir o Sr. Presidente convidou os presentes a, de pé, assistirem à entrega,
pelo Ver. Pedro Ruas, do título honorífico de Cidadão Emérito ao Sr. Luiz
Carlos Prestes. Em continuidade, o Sr. Presidente concedeu a palavra ao
homenageado, que lembrou a fibra dos soldados que compunham a “Coluna Prestes”
e as finalidades da mesma, tecendo breve relato sobre a histórica caminhada e
sobre os rumos dos participantes da mesma. Apresentou considerações sobre a
atual situação sócio-econômica do Brasil, sugerindo algumas medidas que
amenizariam a miséria do povo brasileiro. Finalizou dizendo que a história ruma
para a concretização dos ideais comunistas. A seguir, o Sr. Presidente fez
pronunciamento alusivo ao evento, convidou as autoridades e personalidades presentes
a passarem à Sala da Presidência e , nada mais havendo a tratar, levantou os
trabalhos às dezoito horas e vinte minutos, convocando os Senhores Vereadores
para Sessão Ordinária de amanhã, à hora regimental. Os trabalhos foram
presididos pelo Ver. Brochado da Rocha e secretariado pelo Ver. Pedro Ruas,
Secretário “ad hoc”. Do que eu, Pedro Ruas, Secretário “ad hoc”, determinei
fosse lavrada a presente Ata que, após lida e aprovada, será assinada pelos
Senhores Presidente e 2º Secretário.
O SR. PRESIDENTE: Como é praxe da Casa, as
Bancadas indicam os oradores que se farão ouvir. Para tanto, falarão os
Vereadores Pedro Ruas, autor da preposição, Adão Eliseu, Werner Becker, Antonio
Hohlfeldt e Flávio Coulon.
Com a palavra, o Ver. Pedro Ruas.
O SR. PEDRO RUAS: Sr. Presidente, Srs.
Vereadores, demais componentes da Mesa, minhas Senhoras, e meus Senhores, é
bastante comum, em homenagens deste quilate, reprisar-se a biografia, a
história da pessoa que recebe a distinção.
Hoje, porém, o homenageado é Luiz Carlos Prestes, o revolucionário, o Senador, o Cavalheiro da Esperança, o líder maior de todo um povo, e sua história pessoal é a própria história deste País. E Prestes está vivo.
É bem verdade que a biografia de Prestes, assim como a biografia do
Brasil, não é bem a que se ensina nas aulas de história de nossos colégios.
Não. A história de Luiz Carlos Prestes, quando é a própria história do
Brasil, foi sempre contada às escondidas, escrita, às vezes, por intelectuais
ilustres e, quase sempre, transmitida oralmente, de pai para filho, entre a
classe operária à quem dedicou seus quase noventa anos de existência .
Desnecessária a aula de história, cumpre
lembrar que, ás vezes, se cometem equívocos ao referir quem homenageia e quem é
homenageado em cada solenidade.
Hoje, na verdade, homenageada é esta Casa,
esta Câmara Municipal, esta Cidade, com sua presença, Senador.
Com a presença de quem liderou a maior marcha
em território nacional, lutando por justiça social e contra o arbítrio e o
despotismo, ao longo de dois longos anos e por mais de vinte e cinco mil
quilômetros.
De quem comandou o levante de trinta e cinco
e que por isso penou por nove anos nos cárceres da ditadura .
Com a presença de quem mereceu o amor e o
companheirismo de Olga Benário, a grande revolucionária, a grande mártir da
causa do Socialismo internacional.
De quem manteve seus princípios ideológicos e
coerência política nas condições mais adversas, num vínculo indissolúvel com os
interesses maiores de todo o povo brasileiro.
Com a presença de quem não esmoreceu e
atravessou ditaduras, combatendo sempre do mesmo lado, sempre na mesma
trincheira, sempre com os humildes, com os que passaram e passam fome, com os
que só tiveram voz no brado do Capitão da Coluna.
Mais importante que encarar a própria
história é encarnar o melhor desta história .
Vanguarda personalizada dos
movimentos sociais mais significativos, Luiz Carlos Prestes é a essência da
chama revolucionária de um povo oprimido.
Disse José Martí :“ Para
falar sobre Prestes é preciso ter uma montanha como tribuna.”
Não temos a montanha,
Senador, mas temos a tribuna honrada do povo de Porto Alegre, que hoje é maior,
porque dela se fala sobre o Senhor.
A sua Porto Alegre,
Comandante, a nossa Cidade, para a qual estão hoje voltadas as atenções de
nosso povo, na homenagem que é realizada.
E Prestes está vivo.
Hoje é um grande dia para
esta Casa, Senador.
Aqui estão os representantes
do povo de Porto Alegre, seus amigos, alguns de seus inúmeros admiradores e
companheiros de ideal.
É bem verdade, que não estão
entre nós Pablo Neruda, Raul Tuñon, Charlie Chaplin, Max Weber, José Portogalo
ou Doleres Ibarruri, entre tantos outros nomes ilustres que já lhe renderam
homenagens.
É bem verdade que esta
tribuna não é a montanha referida por José Martí como sendo necessária para
falar sobre Luiz Carlos Prestes.
Mas é verdade, também, no
dia de hoje, que as pessoas aqui presentes pretendem juntar seu reconhecimento
às outras tantas homenagens que este herói brasileiro já recebeu .
O Comandante Prestes hoje é
cidadão Emérito de Porto Alegre.
Para todos nós, homens e
mulheres vinculados à causa popular, o momento é grandioso.
Para mim, em especial, que
há menos de dois anos exerço o mandato de Vereador em Porto Alegre, existe uma
sensação de dever cumprido.
Luiz Carlos Prestes está
entre nós. Vivo e atuante, obstinado e apaixonado pela causa maior de todo o
povo brasileiro.
Outro oradores, no dia de
hoje, certamente hão de frisar as passagens históricas mais importantes da vida
do grande político.
Para este Vereador, porém,
resta lembrar o que agora passa a ser palavra de ordem na luta social :
“Prestes está vivo”.
Perseguido, processado, preso, exilado, lutando sempre, Prestes está vivo, contra tudo e contra muitos, Prestes está vivo e este povo brasileiro pode continuar a ter esperanças. Muito obrigado. (Palmas.)
(Não revisto pelo orador.)
O SR. PRESIDENTE: Com a palavra, o Ver. Adão Eliseu, que falará pelas Bancadas do PDT e
do PDS.
O SR. ADÃO ELISEU: Sr. Presidente, Srs. Vereadores, Senhoras e Senhores. Luiz Carlos
Prestes é cidadão porto-alegrense e que hoje recebe desta Casa Legislativa o
título de Cidadão Emérito.
Nasceu na Rua Riachuelo em
1898. Filho do capitão Antônio Pereira Prestes e Dona Leocádia Felizardo
Prestes.
Já como engenheiro-militar,
em 1924, com apenas 26 anos de idade, revoltado com os desmandos e as
injustiças do governo Artur Bernades, subleva o Batalhão Ferroviário em Santo
Ângelo e parte dali para a mais longa e heróica jornada da história brasileira.
Ao longo de 25.000
quilômetros sempre perseguido em combates contínuos a “Coluna Prestes”
atravessou o Brasil de Sul ao Norte e de Leste a Oeste em pregação libertária
na defesa da vontade do povo, numa saga que deslumbrou o mundo.
Em 1926 a Coluna Prestes
desfez-se em La Guaíra, na Bolívia, onde houve repartimento dos que desejaram
voltar ao Brasil ou trabalho para os que ficaram no exílio.
Em 1928 toma contato com o
Partido Comunista Brasileiro e com o marxismo, lança um manifesto: “Ao
proletariado sofredor de nossas cidades, aos trabalhadores oprimidos das
fazendas e das estâncias, á massa miserável do nosso sertão e muito
especialmente aos revolucionários sinceros, aos que estão dispostos à luta e
aos sacrifícios em prol da profunda transformação por que precisamos passar,
são dirigidas estas linhas.”
Em 1930, mesmo á distância
do Brasil , não perdeu a perspectiva de luta e escreve o célebre “ Manifesto de
Maio”.
Em outubro de 1931, segue
para Moscou a convite da III Internacional para trabalhar como engenheiro na
União Soviética .
Em 1934 ingressa
oficialmente no Partido Comunista Brasileiro. No fim desse ano, juntamente com
Olga Benário, retorna clandestinamente ao Brasil.
Mantendo sempre viva a idéia
de uma transformação no País, Prestes organiza-se com diversos companheiros e
lança manifesto em 5 de julho, culminando com o histórico “Levante de 1935”.
Com o insucesso do movimento
de novembro de 1935, Prestes é preso e cumpre pena durante nove anos, enquanto
o mundo fervia sob os episódios da 2ª Guerra Mundial .
Durante esse período de
grande sofrimento, sua mulher Olga Benário, foi presa, deportada e morta nos
campos de concentração nazista.
Em 1943, ainda preso, foi
eleito Secretário Geral do PCB. Anistiado e solto em 1945, em dezembro do mesmo
ano é eleito Senador pelo Distrito Federal e Deputado Federal e Deputado
Federal por vários Estados da Federação; luta pela legalização do PCB e por uma
Assembléia Nacional Constituinte.
Em 1947 o PCB retorna a
ilegalidade e Prestes é cassado. Começa aí um período de clandestinidade que
dura aproximadamente 10 anos.
Em 1958 o movimento
democrático permite que os comunistas voltem à luz do dia, mesmo na
ilegalidade, sendo revogada a ordem de prisão contra Prestes.
Em 1964, com o golpe
militar, Prestes volta à clandestinidade.
Em 1971 parte para o exílio
no exterior de onde só voltaria em outubro de 1979, passando a ter desde então
intensa atividade política no País, com episódios de grande repercussão, como
foi o rompimento com o Comitê Central, do PCB e apoio a Brizola nas eleições de
novembro de 1982.
São quase noventa anos de
lutas, de cárceres, de exílios, de clandestinidade, de sofrimento por uma causa
única - amor à Pátria e à humanidade. E a grandeza desse amor é cantada e prosa
e verso pelos maiores escritores e poetas contemporâneos. E nada melhor, no
momento, do que repetir alguns trechos dessas manifestações.
“Nenhum dirigente comunista
da América tem uma vida tão trágica e portentosa quanto Luís Carlos Prestes.
Herói militar e político do Brasil, sua verdade e sua legenda ultrapassam há
muito tempo as restrições ideológicas. Ele se converteu em uma espécie de
encarnação viva dos heróis antigos.” (Pablo Neruda, “ Confesso que vivi”)
“O comando da coluna não
serviu somente para Luiz Carlos Prestes demonstrar as suas notáveis qualidades
de estrategista e de tático no campo militar. Contribui também para que ele,
vendo de perto as condições miseráveis em que viviam as populações sertanejas e
compreendendo a impossibilidade de resolver o problema no regime vigente,
viesse a adotar o marxismo e a se tornar a figura mais destacada do Partido
Comunista Brasileiro”. (Edmundo Muniz, “ A Coluna Prestes” de Nélson Wernek
Sodré)
“Um dia o povo negro do
Brasil, escravo e desgraçado, fez o milagre de poesia que foi o poeta Castro
Alves. Um povo que não podia falar precisando de uma voz que clamasse. Fez o
milagre da mais bela das Vozes.
E muitos anos depois, todo o
povo do Brasil, escravo e desgraçado, o povo negro, o povo índio escondido no
fundo das florestas, o povo branco, o povo mulato é o povo mais lindo do mundo,
povo de mãos e pés atados, com sede, com fome, sem livros e sem amor, fez o
milagre de heroísmo que é Luiz Carlos Prestes.” (Jorge Amado)
Parafraseando José Martí,
para se falar em Luiz Carlos Prestes é preciso ter uma montanha como tribuna.
Ou, então, deixar que falem por nós, grandes figuras da humanidade.
“New York.
Luiz Carlos Prestes.
Rio de Janeiro - Brasil.
Enviamos nossas mais
calorosas felicitações ao grande brasileiro Luiz Carlos Prestes e, por seu
intermédio, aos demais anti-fascistas libertados.
A anistia é a verdadeira
expressão democrática da vontade do povo brasileiro”.
Assinavam o telegrama:
Charles Chaplin, Theodor Dreiser, Thomas Mann, Lion Feuchtwanger, Walter Drill
Scott, Grocho Marx, Frederick March, Pierre Van Paasan, Max Weber, Elliot Paul,
Eugene Ormandy, Douglas Adams, Howard Fast.
“Luiz Carlos Prestes entrou
vivo no Panteon da História. Os séculos cantarão a canção de gesta dos mil e
quinhentos homens da Coluna Prestes e sua marcha de quase três anos através do
Brasil .
Um Carlos Prestes nos é
sagrado. Ele pertence a toda a humanidade. Que o atinge, atinge-a.” Romain
Rolland
“...Este homem que, isolado
de todo contato do mundo, exceto as breves cartas de sua mãe, permanece fiel ao
seu Partido e às suas convicções revolucionárias é um perigo para a reação
brasileira, porque ele será, enquanto viver, o Cavaleiro da Esperança do povo
brasileiro.” Dolores Ibarruri
“Em nosso país, nos Estados
Unidos, há poucos intelectuais que não conheçam a saga de Luiz Carlos Prestes.
Ele pertence à História, como John Brown, o herói da Guerra de Secessão. Ele
pertence às Américas, como Bolívar, San Martin ou Juarez.
Não façais mal a este grande
brasileiro, a este legendário cavaleiro da liberdade do povo. A História e os
povos de todo o mundo vos fitam vigilantes. Luiz Carlos Prestes é amado como o
foram Washington, Lincoln e Frankllin Delano Roosevelt .
Aqueles que o ameaçam com a
perseguição e a injustiça lançam o apróbio sobre o grande nome do Brasil . Os
que o defendem estão com a liberdade em todo o mundo.” Michael Gold (Grande
romancista norte-americano)
“Tenho por esse patriota que
é Luiz Carlos Prestes não somente uma admiração sem limites como também o mais
vivo sentimento de gratidão, pois o combate que ele conduz pela independência
de seu país nos serve de exemplo e serve à causa de todos os povos que lutam
por sua liberdade e sua vida. Um herói como ele defende a honra e a felicidade
de todos os povos.” Paul Eluard (Poeta nacional da França)
“Entre o Brasil e a Turquia
há oceanos e montanhas, mas na luta pela paz, a liberdade e o pão, o povo turco
é vizinho bem próximo do povo brasileiro. O povo turco saúda o grande Prestes
como um dos maiores heróis do combate pela libertação da humanidade.” Nazim
Hikmet (Poeta nacional da Turquia)
Concluindo e parafraseando
Umunamuno: se o brasileiro Luiz Carlos Prestes, patriota e revolucionário, não
existisse, a humanidade não estaria completa!
E aqui, Senhores, tentamos,
neste encerramento, trazer algumas palavras de algumas personalidades do mundo
cultural, do mundo da filosofia, do mundo da política, de todo esse orbe
terrestre, de cada canto, uma voz. E para elucidar melhor as nossas modestas e
simples palavras, que diriam muito pouco a respeito da grande personalidade do
mundo, que é Luiz Carlos Prestes. Aproveito para concluir com mais uma citação,
parafraseando Miguelo Umunamuno:
“ Se o brasileiro Luiz
Carlos Prestes, patriota e revolucionário não existisse, a humanidade não
estaria completa”. Muito obrigado. (Palmas.)
(Não revisto pelo orador.)
O SR. PRESIDENTE: Com a palavra, o Ver. Werner Becker, que falará em nome da Bancada do
PSB.
O SR. WERNER BECKER: Sr. Presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre,
Ver. Brochado da Rocha; Exmo. Sr. Governador do Estado Pedro Simon, cuja presença
nesta Casa, mais uma vez, nos homenageia, nos é grata; Exmo. Sr. Dr. Alceu
Collares, Prefeito eleito pela vontade da Cidade de Porto Alegre; Sra. Maria do
Carmo Ribeiro, esposa do homenageado; Dra. Cléa Maria Carpi da Rosa,
Vice-Presidente da Ordem dos Advogados da Brasil; Dr. Ariano Prestes,
Diretor-Presidente da Fundação Cultural Prestes; Dr. Antônio Pinheiro Machado
Neto, Constituinte de 1946, de uma Constituição que a violência, a prepotência
já rasgou; Ver. Antônio Cândido, o “Bagé”, um dos poucos representantes
operários que esta Casa já teve; Ver. André Forster, Presidente da Metroplan,
cuja presença entre nós ainda deixa saudades, que marcou de forma indelével,
inclusive, no testemunho de quem o sucede como “uma das figuras mais
expressivas que já se assentou na Casa do Povo de Porto Alegre”; Dr. Claudio
Accurso, Secretário do Planejamento do Estado; Vereadora Julieta Battistioli,
primeira Vereadora mulher da Câmara Municipal de Porto Alegre; Exmo Sr. Jarbas
Pires Machado, Secretário da Agricultura do Estado; Deputado José Fortunati, do
Partido dos Trabalhadores; Srs. funcionários da Casa; minhas Senhoras e meus
Senhores:
“Te contarei agora a
história do herói. Já te contei, amiga, a história do poeta. A poesia era a sua
alma, ia na frente do povo.
Vou te contar, amiga, a
história dessa luz, dessa estrela, dessa esperança. Muitas vezes me perguntaste
se era Pedor Ivo, se era Tiradentes, se era o negro Zumbi dos Palmares, algum
dos heróis cantados pelo poeta Castro Alves. Na noite do cais da Bahia, um
negro sorria . Ele tinha um “p” tatuado no peito. Ele sabia da verdade. “Seria
um milagre?” Me perguntaste. “É um milagre”, eu te respondi.
E muitos anos depois todo o
povo do Brasil, escravo e desgraçado, o povo negro, o povo índio escondido no
fundo da floresta, o povo branco, o povo mulato que é o povo mais lindo do
mundo, povo de mãos e pés atados, com sede, com fome, sem livros e sem amor,
fez o milagre de heroísmo que é Luiz Carlos Prestes, “p” no peito dos negros,
no coração dos soldados da Coluna, luz no coração dos homens, operários,
marítimos, camponeses, poetas, sambistas, tenentes e capitães, romancistas e
sábios. Luz no coração dos homens, das mulheres também, estrela da esperança.
Um povo escravo precisando do seu herói. Fez o milagre do maior dos heróis.
Herói, que coisa tão
simples, tão grande e tão difícil.
Herói, que palavra mais
linda. Só o povo, amiga, concebe, alimenta e cria o herói. Nasce das suas
entranhas que são as suas necessidades. Nasce do povo, é o próprio povo no
máximo das suas qualidades. Como o poeta, vai na frente do povo. O poeta e o
herói constróem os povos, dão-lhes personalidade, dignidade e vida. São
momentos supremos na vida de uma nação e na vida de um povo, tão necessários
como o ar que se respira, a comida que se come, a mulher que se ama. Por isso
os inimigos do povo, os traidores do povo, os que o querem enganar e desgraçar,
tentam apresentar heróis e poetas nas praças públicas. Mas, amiga, esses são os
falsos heróis e falsos poetas. O poeta está na praça quando o povo clama,
pedindo liberdade. O herói está na frente do povo quando o povo se levanta,
conquistando liberdade. Os outros são fabricados, poetas incensadores dos
tiranos, nascidos de um setor de classe, vendidos por migalhas de pão de mesas
ricas, capados no seu poder criador igual a um capão que tem a plumagem tão
linda, como um galo mas não tem nenhuma força viril. E os que, coroados de
louros, se apresentam como heróis são apenas tiranos sobre o povo, em dramático
carnaval.
Tu choraste um dia, negra,
quando alguém que nos era caro se vendeu, vestiu ele também sua camada de lama.
Durante um momento perdeste a confiança e desejaste morrer já que tudo era tão
pobre e tão vil. E então eu te prometi contar a história do herói, aquele que
nunca se vendeu, que nunca se dobrou, sobre quem a lama, a sujeira, a podridão,
a baba nojenta da calúnia deixaram rastro. E como ele é, o próprio povo
sintetizado num homem, é certo que o povo não se vendeu, nem se dobrou. Como
ele, o povo preso e perseguido, ultrajado e ferido. Mas, como ele, o povo se
levantará, uma, duas, mil vezes, e um dia as cadeias serão quebradas, a
liberdade sairá mais forte de frente as grades. “Todas as noites têm uma
aurora”, disse o poeta do povo.
Te contarei a história do
herói, amiga, e então não terás jamais em teu coração um único momento de
desânimo, como naquelas noites em que o seu nome; balbuciado por vezes a medo,
afastava a amargura e o terror, agora eu falarei dele para que tu e o povo do
cais que me ouve saibam que podem confiar e que a noite não é eterna .
Aprende nela uma lição de
coragem e de fidelidade ao povo e a liberdade. E saberás então por que se pode
deixar a pátria e as pessoas que amamos e partir para outras terras ou para os
cárceres e ainda assim ser feliz. Nunca é caro, amiga, o preço da liberdade;
mesmo quando é mais que a morte, é a vida no exílio ou na prisão.”
Este texto preambular,
obra-prima da literatura brasileira, foi acusado de ingênuo pelos mambembes do
classicismo. A resposta é do seu autor, Jorge Amado: “Pessoa que somente agora
leu este livro, achou-o ingênuo; a classificação não me desgosta. A ingenuidade
não representa um mal maior; perigoso é o cinismo que vem-se transformando em
hábito no pensamento político do país”.
Como Jorge Amado, eu também
prefiro a ingenuidade ao cinismo. Cinismo da luta contra a corrupção; cinismo
do anticomunismo travestido em paranóia; cinismo do milagre brasileiro; cinismo
dos “noventa milhões em ação, salve a seleção”; cinismo do “ame-o ou deixe-o”;
cinismo do “ninguém segura a juventude do Brasil”; cinismo de uma transação
fantasiada em transição; cinismo de Constituinte partejada na ilegitimidade e
auto-estuprada na sua soberania; cinismo do estelionato eleitoral do Plano
Cruzado; cinismo dos partidos políticos que têm confessadamente programa para
palanque e programa para governo.
Para orgulho de Porto Alegre
Luiz Carlos Prestes nasceu no centro da nossa Cidade, na Rua Riachuelo, no dia
03 de janeiro de 1898. Após formar-se com distinção no Colégio Militar, Prestes
entrou para a Academia Militar do Realengo. Quando seu pai era cadete, a
academia estava situada na Praia Vermelha ao pé do Pão de Açúcar, próximo ao
centro da Cidade. Os colegas de seu pai tinham ajudado a derrubar o último
imperador do Brasil e outros cadetes, seis anos depois, rebelaram-se contra o
primeiro presidente civil do país. Esses rebeldes tinham sido expulsos, mas a
tradição de rebeldia prevalecera .
O ano de 1924 se aproximava
do fim quando, em outubro, irrompia novo movimento tenentista, na região
missioneira. Cercados por forças governamentais muito superiores, conseguiram
os revoltosos, ao comando do Capitão Luiz Carlos Prestes, romper, em audaciosa
manobra, o referido cervo, deslocando-se para o norte. Essas duas colunas, a
que se originara em São Paulo e a que se originara nas Missões, encontraram-se
no sudoeste do Paraná. No acantonamento de Santa Helena, a 14 de abril de 1915,
era baixado o Boletim nº 1 do Comando da 1ª Divisão Revolucionária, constituída
pelo agrupamento daquelas duas colunas. Esse agrupamento ficaria conhecido,
dentro de algum tempo, como Coluna Prestes.
Em momentos diversos e
lugares os mais variados, a Coluna enfrentou forças regulares do Exército; em
alguns casos, essas forças alcançaram efetivo considerável, dotadas de copiosos
meios, de sólida estrutura, de comando bem constituído. Mas é possível dizer
que, no conjunto, as que, de fato e continuadamente, a combateram, foram as
forças irregulares, a tropa do latifúndio. Em certos casos, com a ajuda ou em
aliança com as polícias militares estaduais; em outros, sob o comando militar;
na maioria, conduzidos os jagunços pelos próprios latifundiários a quem serviam
.
O latifúndio sentia a ameaça
que a Coluna representava. Seu combate, pois, e a forma de que se revestia,
raiando sempre a crueldade mais desmedida, era conseqüente. Longamente, o
latifúndio gerara a organização militar que o serviria. Num vale úmido do
Cariri, próximo a velha Cidade do Crato, começa a surgir o cenário social de
drama peculiar ás áreas feudais brasileiras. Ali se estabelecera o Padre Cícero
Romão Batista, com enorme ascendência sobre uma população em que o misticismo
disfarçava as condições de miséria e de abandono. Essa gente, que se acumulava
por força de suas necessidades, era material humano fácil de conduzir, de que
lançava mão o chefe local, aqui e ali, e chefes outros, para resolverem, pelo
trabuco, as suas rivalidades políticas. Foi essa a matéria-prima de que se
valeu Floro Bartolomeu, para liquidar o governo de Franco Rabelo. Na Bahia, na
região diamantífera, em torno de alguns chefes locais, entre os quais se
destacaria, desde cedo, a figura de Horácio de Matos, em conseqüência das
mesmas condições, surgiram forças irregulares também poderosas, cujo papel, nos
acontecimentos políticos da época, foi destacado. Em todo o interior, assim, o
latifúndio gerou a sua força militar, e dela se serviu amplamente.
Hoje com a urbanização do
País o populismo, sob as mais diversas formas, se agrupa nas grandes cidades, e
dá respaldo para que extensos setores da classe média e até mesmo do operariado
batam as portas dos quartéis reivindicando soluções imediatistas, de
repercussão meramente na superfície social e estratificando toda a nossa
infra-estrutura arcaria e desumana.
A grande prova para
diferenciar os políticos tradicionais e os militares tenentistas teria de ser,
evidentemente, a do poder. O que os distinguia não era o fato de serem uns
políticos civis e outros militares e tenentes, mas o de representarem correntes
diversas da opinião, por serem, em conjunto, expressões de forças sociais
diversas. Essa diversidade tinha sido verificada desde muito antes da vitória.
Constatou-se que um libertador era o retrato vivo de um republicano. E a
explicação é clara. Os membros dos dois partidos rio-grandenses não apresentam
entre si os traços diferenciados da psicologia de duas classes sociais
contraditórias ou mesmo de duas zonas divergentes de correntes populares. São
elementos soldados pela homogeneidade de interesses, exprimindo a mesma
política dos grandes estancieiros do sul. Do mesmo modo, os democráticos e
perrepistas desempenhavam no fundo sempre o mesmo papel de representação dos
fazendeiros de café, dos plutocratas paulistas. É claro que em política a
contradição vaga de ideologias que não corresponde a contradição de interesses
reais se desfaz com facilidade. Os nossos homens públicos têm tido quase todos
a mesmas raiz comum, de modo que entre eles não há antagonismo fundamental de
idéias em projeção no plano político.
Prestes, em 24, não era
comunista. Como a de todo tenente patriota, sua mentalidade não ultrapassava os
limites dos ideais democráticos pequeno-burgueses. Como autêntico representante
dessa pequena burguesia antifeudal é que Prestes abalou o Rio Grande do Sul a
frente da tropa e iniciou a grande marcha.(...) E a nacionalização das vias de
comunicação, dos serviços públicos, as minas e os bancos, anulando as dívidas
externas; limitação das horas de trabalho; proteção ao trabalho da mulher;
seguro contra acidentes.
Até viajar para Moscou, em
outubro de 1931, a convite do secretário da Internacional Comunista, Prestes
ocupou espaço político divulgando vários manifestos; a maioria deles com ácidas
críticas ao governo de Vargas e aos companheiros de coluna que com ele
colaboravam, particularmente João Alberto, nomeado interventor de São Paulo.
Quando Luiz Carlos Prestes
chega a Moscou, encontra um país enfrentando imensas dificuldades. Apesar dos
progressos da industrialização e da revolução cultural, a baixa produção de
alimentos criara um clima de descontentamento. A colheita daquele ano fora
medíocre e diminuíra o gado. A ração de pão, que era de 800 gramas por dia,
teve de baixar para 200 gramas e os preços no mercado livre aumentavam de
maneira considerável por causa da escassez dos produtos. A penúria alimentar
provocou uma diminuição da taxa de natalidade e um aumento da taxa de
mortalidade. Politicamente, aguçaram-se as divergências entre stalinistas
(defensores do socialismo num só país) e trotsquistas (adeptos da tese da
revolução permanente).
Preocupado com as coisas de
seu país, recolhida a experiência soviética, Prestes resolve voltar. Vários
anúncios falsos de que Luiz Carlos Prestes estaria retornando ao País,
publicados por jornais de esquerda e de direita, no final de 1934 e nos
primeiros das de 1935, haviam deixado a político brasileira excitada e
vigilante. O rastro da Coluna Prestes ainda estava vivo na paisagem política do
País e havia uma espécie de veneração nacional pela figura do “Cavaleiro da
Esperança”, obrigando Getúlio Vargas a exigir da polícia política redobrada e
rigorosa precaução.
Em 1935, surgiria a Aliança
Nacional Libertadora, forma encontrada, aqui e então, para reunir as forças que
se antepunham a marcha para a ditadura fascistas. A partir do momento em que a
Aliança Nacional Libertadora conseguiu arregimentar as forças democráticas e
realizar amplas manifestações de massa, definindo sua posição
anti-imperialista, contra ela se concentro a composição política que eliminara
o tenentismo e marchava decididamente para um regime de força.
É inequívoco que representantes de todas as camadas da sociedade
brasileira participaram da Aliança Nacional Libertadora, inclusive elementos
das Forças Armadas. A marcha do governo para a violência, a brutalidade da
repressão policial, a proibição das manifestações de pensamento e das
tentativas de organização, criavam as condições para a explosão de movimento
armado que, a 23 de novembro de 1935, surgiu em Natal, à base principalmente,
mas não unicamente, como se pretendeu fazer crer, de forças militares; a 24, em
Recife, onde, em condições idênticas, repontou outro foco e, a 27, no Rio de
Janeiro. Na capital da República, a repressão imediata coube aos elementos
militares regulares, mas em Pernambuco e no Rio Grande do Norte em que o levante
teve a capacidade de durar mais de um dia, a repressão militar foi
insuficiente, tendo sido poderosamente ajudada pelas forças irregulares do
latifúndio. A essa repressão, sucedeu-se uma propaganda vesânica, destinada a
colocar o movimento no nível do puro banditismo.
Cinco de março de 1936. Estava terminada uma das maiores operações da
história política carioca. Durante 40 dias, sob um temporal inclemente,
centenas de homens vasculharam, casa por casa, os bairros do Méier e do
Cachambi, caçando o homem mais procurado do país: Luiz Carlos Prestes, líder do
levante em 1935.
Na sua linguagem acusada de ingênua sem nenhuma sílaba despegada da
realidade, Jorge Amado narra um tempo de horror no claro escuro da nossa
história: “Vou-te falar, amiga, dos assassinos. Daqueles que matam friamente,
devagarinho, no gozo do crime. Daqueles que torturam, daqueles que mandam
torturar, e gozam com isso como se estivessem na cama com uma mulher amada. Te
falarei também dos que não resistiram às torturas e traíram. São coisas tristes,
amiga, degradantes e pequenas. Mesquinhas como todas as coisas dos tiranos e da
escravidão. Encherei teu coração de tristeza na narração dessas misérias e
dessas podridões”.
Mas, negra minha, tão bela, te direi também dos homens que sofreram as
torturas pelo bem do seu povo. Que por ele foram mortos, por ele foram
assassinados aos poucos, nos cárceres imundos. Te mostrarei homens pequenos
como vermes, sedentos de sangue, monstruosos. Mas te mostrarei também homens na
sua grandeza total, gigantes de coração e de caráter, imensos na sua dignidade,
estrelas sobre essa noite, sobre a lama como um raio de luz que não se mancha
nunca, que brilha sempre, é sempre límpido e formoso. Nunca os homens descem
tanto como nesses anos, amiga. Nunca os homens sobem tanto, amiga, são tão
grandes e tão belos, tão dignos e tão heróicos, como nesses anos. Ia começar o
seu longo martírio. Ia começar também a mais impressionante fase de sua vida,
aquela que o coloca ao alto das maiores figuras da humanidade. Traziam marinheiros
que haviam sido expulsos da Armada como revolucionários e, ante a cela de
Prestes, queimavam as suas nádegas com acetilenos. Sabiam que Prestes se
atiraria sobre os policiais. E assim tinham o gosto de sujeitá-lo, de jogá-lo
dentro do cárcere, onde ele não tinha como escutar as palavras soluçadas, os
uivos de dor dos martirizados. Aos seus protestos os policiais respondiam com
palavrões e gargalhadas. Berger enlouquecia no vão de uma escada. Quiseram
enlouquecer também Luiz Carlos Prestes. Quiseram matá-lo aos poucos, quebrar a
sua resistência orgânica e moral, liquidar o herói porque enquanto ele
estivesse vivo, o perigo não desapareceria para os tiranos.
De 1936 a 1937, quando é transferido para a Correção, onde outros
martírios o esperam, ele vive na polícia especial os seus dias sem ver ninguém,
sem falar com ninguém, sem ler, sem escrever, sem nada saber do mundo.
O seu advogado, quando, tenta vê-lo, é repelido violentamente pela
polícia. E o governo quer que o mundo acredite que houve um processo legal de
julgamento... Processo mais cínico e mais ilegal que mesmo o de Dimitrov na
Alemanha nazi.
O Tribunal de Segurança Nacional o condena a 16 anos e 8 meses de
prisão. Será pouco ainda para o medo que o governo lhe tem. Depois conseguirão
outro processo e o condenarão a mais 30 anos.
Mas, ah!, amiga, os carcereiros não sabem medir os homens. Os traidores
e os tiranos, os inimigos do povo sobre o povo, não sabem de que barro são
feitos os heróis. Não sabem que força estranha corre pelo sangue de homens como
Luiz Carlos Prestes! Pensaram em comprá-lo, não o puderam comprar. Pensaram em
comprá-lo, não o puderam comprar. Pensaram em dobrá-lo, não o puderam dobrar.
Pensam em matá-lo mesquinhamente, covardemente. Pensam em enlouquecê-lo. Ele
resiste, amiga. É o povo brasileiro quem resiste, é a liberdade que resiste.”
Do relato do poeta vamos ao relato dos jornais que embora se apresentem
diferentes na forma, não se apresentam em relação ao conteúdo.
Antes, uma recordação que poucos lembram. O Tribunal de Segurança
Nacional foi presidido pelo beleguim Barros Barreto que depois chegou ao
Supremo Tribunal Federal para vergonha eterna da toga brasileira. Mais um
cinismo das nossas instituições: o carrasco é festejado como homem justo e
probo.
Em abril de 1945, a campanha pela anistia ampla e irrestrita ganha,
finalmente, espaço nos jornais. A censura tinha sido suspensa, o que permitiu
sensibilizar amplos setores da sociedade. “O Globo” engajou-se na luta pela
libertação dos presos políticos. Em 4 de abril, o jornal publicou o seguinte
editorial: “O grito da anistia percorre, nesse instante, todo o País. Antes
mesmo das eleições, o povo reivindica a pacificação da família brasileira, em
moldes democráticos; sem anistia, não haverá liberdade e sem esta é inútil falar
em democracia”.
No dia 17, “O Globo” adianta que o presidente já tinha assinado o
decreto, que fora redigido por seu ministro da justiça, Agamenon Magalhães. Na
última edição do dia 18, o jornal anuncia que prestes já havia deixado a
penitenciária central, incógnito. Na verdade, era uma notícia incorreta, pois o
decreto de anistia só seria assinado no dia seguinte.
Saiu pelo portão com a fisionomia contraída, abatido e com muitos
quilos a menos. Ainda ouviu um homem gritar, no meio da multidão: “Viva o general
Prestes! Viva o Cavaleiro da Esperança!” Esboçou um sorriso, entrou no carro ao
lado de amigos mais próximos e foi se embora. Voltava novamente à liberdade.
Tinha 47 anos, envelhecera.
Mais uma abertura, mais uma Constituinte no claro escuro da história
brasileira: Prestes obteve a eleição mais consagradora do País: além de senador
pelo Distrito Federal, foi eleito deputado por Pernambuco, Rio Grande do Sul,
e, também, pelo Distrito Federal, ficando na suplência no Rio de Janeiro, São
Paulo e Bahia. Breve, precária abertura, mais uma Constituinte a referendar os
privilégios da elite e um ano e pouco a mais o mandato de Prestes e de seus
companheiros é cassado.
Em 05/01/48 volta para a clandestinidade. Mais uma vez sua prisão é
decretada. Clandestino mas não inativo. Prestes permaneceu ativamente influindo
na política nacional. Denunciava o caráter entreguista do Governo Dutra, o
condestável do Exército Nacional agora travestido de guardião da Carta
Constitucional. Fardas e fardões hoje e ontem revezando-se como guardas de um
mesmo conteúdo político. Em 1954, denuncia as causas do golpe que levou Getúlio
ao suicídio.
No governo de Jucelino abre-se um espaço democrático que leva o juiz
Epaminondas Monjardim Filho, da 3ª Vara Criminal do Rio de Janeiro a revogar a
sua prisão preventiva, decretada há uma década. Mais uma inovação jurisdicional
contra Prestes: prisão preventiva cujo processo percorre uma instrução inclusa
por cerca de dez anos. Este é o despacho judicial libertador: “Revoguei a
prisão preventiva decretada contra o Sr. Luiz Carlos Prestes, por entender que
não mais prevalecem as razões invocadas para sua aplicação. Segundo o artigo
313 do Código de Processo Penal, a prisão preventiva poderá ser decretada como
garantia para assegurar a aplicação da lei penal. Quem garante a ordem pública
são as autoridades militares, policiais e administrativas, e não há nenhum
sinal nos horizontes pátrios de que ela venha a ser ou esteja sendo
transtornada. A instrução criminal está praticamente finda e o requerimento de
Prestes e seus companheiros, às portas de uma sentença, demonstra o propósito
de não fugir à aplicação da lei penal”.
Prestes estava com 60 anos. E era um dos dirigentes comunistas de vida
mais trágica. Sua filha, Anita, salva graças a uma campanha internacional de
solidariedade, ele só viera conhecer em dezembro de 45, quando a menina já
tinha nove anos. Na década de 50, Anita voltou a sair do País, indo estudar na
União Soviética, só voltando a ver o pai no fim da década de 50, quando ele
ganhou a liberdade.
Retorna no outro dia. Permanece na atividade política agora à luz do
dia e lidera uma manifestação frente ao Palácio do Catete. Ainda no governo de
Jucelino, quando o Presidente da República resolve-se insurgir contra as
exigências do FMI. Vale o registro que não é de agora, mas de há muito tempo
que pesa sobre o povo brasileiro as armas de garrote do FMI e se constata a
resistência dos líderes mais lúcidos contra a asfixia sempre pretendida.
A renúncia de Jânio faz com Prestes apoie o histórico movimento da
Legalidade que teve no Palácio Piratini seu quartel general e liderança de
Leonel Brizola.
Em 1964 desce novamente uma longa noite de trevas no claro escuro da
história brasileira. Prestes recebe homenagem dos cabeças do golpe, seus
inimigos jurados: é o primeiro da lista dos cassados. Este privilégio que a
reação lhe concede revela que o ódio da direita sempre é lúcido e sabe
escalonar perfeitamente seus inimigos. Mais uma vez na clandestinidade
permanece em ativa militância política com voz sempre ouvida e influente em
todos os movimentos que se pretende organizar contra a ditadura.
Os tempos são recentes para serem rememorados. Somos todos testemunhas
desta época, de seus horrores, da sua miséria. Mas as contradições internas do
sistema ditatorial obrigam a um novo decreto de anistia. Embora fisicamente
longe do País, Prestes permaneceu nele sempre politicamente presente.
Ficou 15 anos fora do País. No dia 20 de outubro de 1979, desembarcou
no aeroporto internacional do Rio em condições totalmente opostas à que viveu
em 35. Não havia nenhum segredo sobre sua chegada. E mais de dez mil pessoas,
vindos de todas as partes do País, se comprimiam no aeroporto, empunhando
bandeiras, faixas e cartazes em sua homenagem. O refrão que a multidão não cansava
de gritar: “de norte a sul, / de leste a oeste, / o povo todo grita / Luiz
Carlos Prestes”.
E continua com toda a sua lucidez e com toda sua coragem. Entre todas
as suas virtudes que os poetas cantaram e a imprensa não pôde ocultar, quero
ressaltar finalmente uma extremamente singular e na política algumas vezes
absolutamente necessária: a de, quando necessário, saber ficar só apenas em
companhia dos seus princípios, porque sabe que as condições subjetivas são
flutuantes, mas as condições objetivas ajuntadas à lucidez ideológica, estas
são permanentes e irredutíveis.
Pablo Neruda, poeta nunca desligado da realidade sintetiza: Luiz Carlos
Prestes, marco da história que permanece viva. “Nenhum dirigente político da
América tem uma vida tão trágica e portentosa quanto Luiz Carlos Prestes. Herói
militar e político do Brasil, sua verdade e sua legenda ultrapassam há muito
tempo as restrições ideológicas. Ele se converteu em uma espécie de encarnação
viva dos heróis antigos”.
(Não revisto pelo orador.)
O SR. PRESIDENTE: A Mesa concede a palavra ao
Sr. Ver. Antonio Hohlfeldt. S. Ex.ª falará pela Bancada do PT com assento nesta
Casa.
O SR. ANTONIO HOHLFELDT: Exmo. Sr. Presidente da
Câmara Municipal de Porto Alegre, Ver. Geraldo Brochado da Rocha; Exmo. Sr. Governador
do Estado do Rio Grande do Sul, Dr. Pedro Simon; Exmo. Sr. Prefeito de Porto
Alegre, Dr. Alceu Collares; demais componentes da Mesa, Senhores e Senhoras que
preenchem e lotam este Plenário, nesta tarde; D. Maria do Carmo; Comandante
Luiz Carlos Prestes:
Esta Casa, que tantas contradições vive e assiste, como reflexo de uma
sociedade de classes em que vivemos, faz “sursis” de suas querelas, suspende
suas disputas, para homenagear um filho da terra que aqui volta, tantos e
tantos anos depois de dela ter partido, um dia. Baixo de estatura, enorme de
porte moral. (Palmas.) Duro nas decisões, doce nos olhos com que mirou as
gentes, e por elas fez sua luta.
Hoje é dia de se homenagear Luiz Carlos Prestes, que esta Casa resolveu
lembrar, através da propositura do nobre Ver. Pedro Ruas. É significativo que
seja um jovem político, que tenha tido a iniciativa. As novas gerações
recordando o exemplo daquelas que serão, ao longo dos séculos, os nossos
exemplos. Já muito se falou, aqui, do homenageado. E a mim me caberia, apenas,
por me sentir demasiado pequeno para falar do comandante, valer-me da palavra
dos poetas, para lembrá-lo. Relembrando, talvez, o primeiro dos que
homenagearam a Prestes num poema, Mário de Andrade, no dia 18 março de 1928,
num poema que, significativamente, se chamava “Manhã”, e que dizia: (Lê.)
“O jardim estava em rosa ao pé do sol / E o ventinho de mato que viera
do Jaraguá, / Deixando por tudo uma presença de água, / Banzava gostado na
manhã praceana.
Tudo limpo que nem toada de flauta. / A gente si quisesse beijava o
chão sem formiga, / A boca roçava mesmo na paisagem de cristal.
Um silêncio nortista, muito claro! / As sombras se agarravam no folhedo
das árvores / Talqualmente preguiças pesadas. / O sol sentava nos bancos
tomando banho-de-luz.
Tinha um sossego tão antigo no jardim, / Uma fresca tão de mão lavada
com limão, / Era tão marupiara e descansante / Que desejei... Mulher não
desejei não, desejei... / Si eu tivesse a meu lado ali passeando / Suponhamos
Lenine, Carlos Prestes, Gandhi, um desses!...
Na doçura da manhã quase acabada / Eu lhes falava cordialmente: - Se
abanquem um bocadinho. / E havia de contar pra eles os nomes dos nossos peixes,
/ Ou descrevia Ouro Preto, a entrada de Vitória, Marajó, / Coisa assim, que
pusesse um disfarce de festa / No pensamento dessas tempestade de homens.”
Muitos anos depois, um outro poeta, nas suas memórias, lembraria o
encontro com o nosso homenageado, um início de depoimento que, inclusive, foi
aqui citado na conclusão, pelo Ver. Werner Becker, Pablo
Neruda. Dizia
ele: “Quando em Isla Negra recebi um convite para visitar o Brasil e conhecer
Prestes, aceitei imediatamente. Soube, além disso, que não havia outro
convidado estrangeiro e isto me lisonjeou. Senti que, de alguma maneira, eu
tomava parte em uma ressurreição. Depois de mais de dez anos de prisão, Prestes
tinha sido posto em liberdade. Essas longas prisões não são excepcionais no
“mundo livre”. A mulher de Prestes, alemã de origem, foi entregue pela ditadura
brasileira à Gestapo. Os nazistas a acorrentaram ao navio que a levava ao
martírio. Deu à luz uma menina que hoje vive com o pai, resgatada dos dentes da
Gestapo pela infatigável Dona Leocádia Prestes, mãe do líder. Após ter dado à
luz no pátio de um cárcere, a mulher de Luiz Carlos Prestes foi decapitada
pelos nazistas. Todas essas vidas martirizadas fizeram com que Prestes jamais
fosse esquecido durante seus longos anos de prisão. Eu estava no México quando
morreu sua mãe, Dona Leocádia. Ela tinha percorrido o mundo pedindo a libertação
de seu filho. O general Lázaro Cárdenas, ex-Presidente da República mexicana,
telegrafou ao ditador brasileiro pedindo para Prestes alguns dias de liberdade
que lhe permitissem assistir ao enterro da sua mãe. O Presidente Cárdenas, em
sua mensagem, responsabilizava-se pelo regresso de Prestes à prisão. A resposta
de Getúlio foi negativa. Compartilhei da indignação de todo o mundo e escrevi
um poema em honra de Dona Leocádia, em lembrança de seu filho ausente e
execrando o tirano. Li-o junto ao túmulo da nobre senhoras que, em vão, bateu
às portas do mundo para libertar seu filho. Meu poema começava sobriamente:
“Senhora, fizeste grande, muito maior nossa América. / Deste-lhe um rio puro de
águas colossais, / Deste-lhe uma grande árvore de raízes infinitas: / Um filho
seu digno de sua pátria profunda.”
Porém, à medida em que o poema continuava, fazia-se mais violento
contra o déspota brasileiro. Continuei lendo em toda parte, tendo sido
reproduzido em octossílabos e em cartões-postais que percorreram o continente.
Certa vez, de passagem no Panamá, incluí-o em um dos meus recitais, logo depois
de ter lido meus poemas de amor. A sala estava repleta e o calor do istmo me
fazia transpirar. Começava eu a ler, quando senti minha garganta se ressecando.
Detive-me e alonguei a mão para uma jarra que estava perto de mim. Nesse
instante vi que uma pessoa vestida de branco se aproximava apressada da
tribuna. Pensando tratar-se de um empregado subalterno da sala, estendi-lhe a
jarra para que a enchesse de água. Mas o homem vestido de branco a rechaçou
indignado e, dirigindo-se à assistência, gritou nervosamente: “Sou embaixador
do Brasil. Protesto, porque Prestes é somente um delinqüente comum.” A estas
palavras, o público o interrompeu com assobios estrondosos. Um jovem estudante,
largo como um armário, surgiu do meio da sala e, com as mãos perigosamente
dirigidas à garganta do embaixador, abriu caminho até à tribuna. Corri para
proteger o diplomata e, por sorte, pude conseguir que saísse do recinto sem
maior dano para sua investidura. Com tais antecedentes, minha viagem de Isla
Negra até o Brasil para tomar parte no regozijo popular, pareceu natural aos
brasileiros. Fiquei surpreso, quando vi a multidão que enchia o estádio do
Pacaembu, em São Paulo. Dizem que tinha mais de cento e trinta mil pessoas. As
cabeças se divisavam pequeníssimas dentro do vasto círculo. Ao meu lado
Prestes, diminuto de estatura, pareceu-me um Lázaro recém saído do túmulo,
elegante e correto para a ocasião. Era seco e branco até a transparência, com
essa brancura estranha dos prisioneiros. O olhar intenso, as grandes olheiras
arroxeadas, as delicadíssimas feições, a grave dignidade, tudo recordava o
longo sacrifício da sua vida. No entanto, falou com a serenidade de um general
vitorioso.”
Podemos relembrar, também, que, passado este período, e devolvido ao
exílio de mais de quinze anos, após o golpe militar de 1964, Prestes retornava
em 1979, colocando-se uma vez mais na luta política, e sobre a qual ele mesmo
depunha, em 1983: (Lê.) “Eu não tenho,
nem jamais tive a ilusão de chegar ao poder. Em 24, não tinha essa ilusão. Em
22, talvez tivesse. A conspiração estava muito adiantada, o Marechal Hermes
Rodrigues da Fonseca estava agindo conosco. Era toda a Vila Militar, várias
guarnições. Nós, tenentes, pensávamos que chegaríamos ao poder. Não chegamos.
Foi a primeira grande decepção que tive na minha vida. Principalmente, porque a
unidade militar onde eu servia, que estava toda preparada para o levante, não
fez nada. Meus último anos de vida eu dedicarei a organizar o partido
revolucionário. As energias que ainda me sobram eu vou dedicar ao combate do
projeto militar para o Brasil. E que Projeto é esse? É o projeto de uma
democracia tutelada. Desde que o AI-5 foi extinto, nós tiramos a formulação de
fascista de nossa análise sobre o Estado brasileiro. Já não há tortura,
assassinatos, nem a perspectiva brutal contra os comunistas, embora permaneçam
traços do fascismo, como o recente pacote eleitoral, na ocasião. Isto cessou,
mas agora temos o terrorismo. E não há dúvida alguma de que suas raízes estão
nos porões da ditadura. Está evidenciado que é o Doi-Codi que coloca as bombas,
como a do Riocentro. Só não vêm quem não quer. O que significa isso? Que a
essência do fascismo está de pé. O que os militares querem é uma fórmula
democrática que lhes permita controlar tudo. É o sistema militar que quer dar
as cartas.” Dizia, então, na ocasião: “Figueiredo faz parte deste sistema,
todos os presidentes fizeram parte deste sistema. São elementos deste sistema que
são escalados como ditadores. Amanhã, substituirão Figueiredo por outro. E
continuarão fazendo assim, até que um dia o movimento de massas se torne
suficientemente forte para quebrar esse regime”. (Palmas.)
Infelizmente, do acerto desta análise, o desastre da Nova República
veio à testa, e os acontecimentos da última semana também. Mas Prestes
continuou sendo oportuno nas suas manifestações, sem oportunismo. (Palmas.)
(Lê.) “Talvez o nosso comandante nos deva ainda uma coisa, a nós e ao
Brasil, uma biografia escrita do seu próprio punho, com o suor e o sangue de
lutas e sacrifícios em mais de sessenta anos de atividades públicas”, como lhe
cobrava, ainda há algum tempo, em livro, Paulo Cavalcanti. (Lê.) “O último de
uma geração de grandes nomes que se envolveram em campanhas pela renovação dos
nossos costumes políticos, mito, herói, símbolo, lenda e guia de milhões de
brasileiros, seu compromisso histórico não é só somente com os comunistas, mas
com toda a Nação, no que ela possui de mais expressivo.” (Palmas.)
Por tudo isso, ao lado do companheiro Ver. Pedro Ruas, em nome das
novas gerações, homenageamos, hoje, aquele que poderia ter sido um tranqüilo
avô de muitos de nós, mas que se tornou patrimônio de todos, até mesmo dos seus
inimigos. Homenageamos hoje um homem que poderia ter sido pacato cidadão
explorado deste espezinhado País, mas que preferiu ser um ferido líder rebelde,
cujo grito de protesto espalhou-se em longa marcha, através de décadas por toda
a Nação e o mundo. Homenageamos, hoje, enfim, a liberdade, e um seu guerreiro,
Luiz Carlos Prestes. Tão maior porque, exatamente nas suas eventuais
contradições, foi sempre humano e, enquanto gente, mais que nunca, viverá no
coração de todos nós. (Palmas.) Muito obrigado. (Palmas.)
(Não revisto pelo orador.)
O SR. PRESIDENTE: Com a palavra, o Ver. Flávio
Coulon, pelo PMDB.
O SR. FLÁVIO COULON: Sr. Presidente, Srs.
Vereadores, demais componentes da Mesa, o PMDB não poderia deixar de vir a esta
tribuna trazer a sua homenagem a um homem que não faz parte da história do
Brasil, um homem que é a própria história do Brasil. E mais do que poderia
expressar este modesto orador, a importância deste homem para o Partido que
represento, está aqui demonstrada pela presença do Governador do Estado do Rio
Grande do Sul, bem como de vários de seus Secretários e vários de seus
Assessores, que aqui trazem a sua homenagem a esta figura mitológica, que
povoou os sonhos da minha juventude e que continua povoando os sonhos desta
juventude que está aí, por este Brasil a fora. Mas não é só o Estado do Rio
Grande do Sul que se faz presente. Porto Alegre também está aqui, na figura do
nosso Prefeito, que também traz aqui a homenagem da Cidade e que resgata,
através do Vereador Pedro Ruas e através da Câmara de Vereadores, uma dívida
com Luiz Carlos Prestes. Mas Cavaleiro da Esperança Capitão Brasil, aonde fui
buscar a coragem para vir saudar Luiz Carlos Prestes? Primeiro, na coragem de
Luiz Carlos Prestes, segundo na ilusão de que depois dos discursos aqui
proferidos, depois do que esse homem já ouviu de Pablo Neruda, Jorge Amado,
Romeu Rolan, Dolores e de toda a intelectualidade do mundo, tenho a ilusão de
que, através dos ouvidos, esse homem praticamente não tem mais nada a ouvir em
matéria de homenagem e reconhecimento pela sua vida; a ilusão que tenho é de
que esses olhos de 89 anos, esses olhos brilhantes, de um moço, estão
conseguindo, através deles, ver realmente o reconhecimento da Nação Brasileira.
Porque, Cavaleiro da Esperança, aqueles 1.500 que te seguiram, hoje estão aqui,
e os teus olhos estão vendo, são milhares nesta Nação, que reverenciam esta
figura impoluta, que atravessou a história do Brasil, atravessou a dor,
alegrias, tristezas, reto, monolítico, granítico, Luiz Carlos Prestes, assim é
Cavaleiro da Esperança que eu te saúdo e te reverencio brevemente, dizendo que
aos teus 89 anos de história do Brasil, os teus olhos estão podendo ver, o teu
intelecto está podendo sentir, os teus ouvidos estão ouvindo, que continuas
sendo, no panorama político do Brasil, a única esperança que continua sendo a
única esperança. (Palmas.) E continua sendo dentro deste panorama político de
homens que sucedem por aí, o único homem que jamais deixou de ser a esperança,
aquela esperança que está grudada em ti, na tua integridade, no teu idealismo,
na tua honestidade que conservaste e que conservas até este momento e que
certamente conservarás até o fim dos teus dias.
Assim sendo, “Cavalheiro da Esperança”, acho que não há uma homenagem
maior do que chegar ao fim da vida sendo esperança. Muito obrigado. (Palmas.)
(Não revisto pelo orador.)
O SR. PRESIDENTE: Convidamos o autor da
proposição, Ver. Pedro Ruas, para fazer a entrega do Diploma ao homenageado.
(É feita a entrega do Diploma.) (Palmas.)
A seguir, a Câmara Municipal de Porto Alegre tem a honra de conceder a
palavra ao homenageado, Luiz Carlos Prestes, Cidadão Emérito de Porto Alegre.
(Palmas.)
O SR. LUIZ CARLOS PRESTES: Exmo. Sr. Presidente da
Câmara Municipal de Porto Alegre, Dr. Brochado da Rocha; Exmo. Sr. Governador
do Estado, Dr. Pedro Simon; Exmo. Sr. Prefeito Municipal, Dr. Alceu Collares;
demais membros da Mesa, a minha homenagem; aos Srs. Vereador aqui presentes
também o meu agradecimento, minhas Senhoras e meus Senhores.
Compreenderão a minha situação, direi algumas palavras de agradecimento
a iniciativa desta Câmara Municipal, da minha cidade natal, que é Porto Alegre,
de me conceder este título de “Cidadão Emérito” da Capital. Sinto-me
emocionado, com as palavras que acabo de ouvir dos diversos oradores dos
representantes dos partidos políticos nesta Casa. Naturalmente as palavras
pronunciadas refletem uma generosidade excepcional para comigo e refletem,
também, os sentimentos patrióticos, os sentimentos democráticos do povo de
Porto Alegre. Diante das manifestações, eu reflito sobre a minha própria vida e
procuro onde estão as raízes que justifiquem tão excepcionais manifestações de
afeto, de carinho, de reconhecimento, pelos dias já vividos em minha longa
vida. E só posso compreendê-los dirigindo o meu pensamento aos brasileiros que
me acompanharam na marcha através do Brasil. A eles é que cabem estes elogios,
a eles é que cabem um diploma tão alto, tão elevado, tão generoso como este de
Cidadão Emérito de Porto Alegre.
Na Coluna existiam patriotas brasileiros de todos os Estados, foram
eles os mais sacrificados, foram eles que revelaram as imensas qualidades de
nosso povo, muitas vezes caluniados, vivendo em condições de maior miséria, de
atraso cultural, cerca de dois milhares de pessoas que passaram pela Coluna, que
lutaram na Coluna, que atravessaram o País inteiro, de Norte a Sul, de Leste a
Oeste, eles é que podem merecer elogios como foram aqui pronunciados, que a mim
comovem porque me fazem lembrar os sacrifícios deles, dos meus soldados, na
Coluna.
Não foi fácil, companheiros, aquela travessia, naquela época. Eu penso
que se a Coluna produziu alguma coisa de bom na história de nosso povo, é
porque ela reflete as qualidades de nosso povo tão caluniado por intelectuais,
inclusive intelectuais de valor, esses que afirmam que o povo brasileiro só
quer saber de Carnaval e de futebol. Isso não é fato. A marcha da Coluna
revelou que aquela parcela que sobra da mortalidade infantil, que assume
números cada vez maiores em nosso País é, efetivamente, um ser humano vigorosamente
forte. Era aquele soldado capaz de fazer 60 quilômetros por dia, a pé; era
aquele homem que revelava, nas sentinelas, nos postos mais perigosos, uma
abnegação total, porque, para dar um sinal convencionado de dar um tiro para
anunciar a aproximação do inimigo, sabendo que ia morrer, o tiro era dado. Esse
era o soldado da Coluna que, graças a ele, pôde percorrer o País, em 25 mil
quilômetros, nas condições daquela época, de 24 a 27, revelando as qualidades
físicas, a robustez daquele que sobrou da mortalidade infantil e o talento do
nosso povo que, em poucos dias, analfabeto, sem profissão, assimilava a tática
da guerrilha e a punha em prática racionalmente. De maneira que, meus amigos,
se a Coluna produziu algo de positivo, foi isso, foi essa revelação das
qualidades do nosso povo.
Posteriormente, meus amigos, teve ocasião, durante a marcha, de
conhecer melhor, mais diretamente a situação do nosso povo do interior, do
trabalhador agrícola. Encontrar pelo Brasil afora homens de cabelos brancos,
pais de muitos filhos, ajoelhados sobre a terra, lavrando a terra com uma
faquinha de mesa, dessas de cabo de madeira, sem o cabo, seguravam na lâmina no
lugar do cabo, e cutucavam a terra para plantar o milho, feijão para sua
alimentação. Perguntávamos a eles: mas vocês não tem uma enxada? Eles
respondiam: há muitos anos não vimos uma nota de um mil réis, unidade monetária
da época. Foi esse quadro, verificado pelo Brasil afora, que me convenceu que
estávamos errados, que não era a luta contra o Presidente Bernardo, pela sua
substituição por outro brasileiro de destaque que resolveria um problema tão
sério. Estávamos diante de um problema social gravíssimo, de um paradoxo, nesse
País imenso, milhares e milhares de brasileiros não ter um palmo de terra para
sobreviver. Foi isso que me obrigou a compreender que estávamos num caminho
falso, que não era a simples substituição do Presidente da República que
permitiria alcançarmos alguns dos objetivos políticos dessa marcha, que estava
no voto direto, na liberdade de imprensa e noutros direitos democráticos que
ainda hoje são privados ao nosso povo.
Qual a causa disso tudo? Formado numa escola militar para matar o povo,
para submeter o povo à disciplina de governos reacionários, não conhecíamos
sociologia e não tínhamos uma explicação racional para essa situação. E, foi
por isso e, compreendendo que quem mais sofria com a guerra civil, apesar de
todo esforço que fazíamos para não causar mais sofrimento a essa população,
pois sabíamos que a população sofria com a guerra civil, por que os inimigos,
com as tropas que nos perseguiam, cometiam desatino contra o povo. E nós
mesmos, que tínhamos no cavalo uma arma, mesmo do camponês que só tinha um
cavalo, tínhamos que requisitá-lo e isso era um prejuízo imenso para o
trabalhador do campo que mal possui um animal. E compreendemos, portanto, que
era necessário, estava na hora de procurarmos outra solução e que o primeiro
dever nosso era estudar a história do nosso País e procurar as raízes de uma
situação tão dolorosa em nosso Brasil, o que nos obrigou a tomar a solução de
ter que por fim à marcha, procurar a fronteira estrangeira mais próxima, na
Bolívia, entrarmos no País estrangeiro para facilitar a volta dos nossos
soldados às suas famílias e, posteriormente, procurar um centro cultural de
importância como Buenos Aires para, como autodidata, procurar as raízes dessa
situação. E foi nessa busca que encontrei as obras de Marx, Lênin que
satisfizeram a minha razão, a minha mente porque nos davam, realmente, as
origens de semelhante situação. Daí a minha próxima adesão ao Comunismo, como
se dizia, e que era caluniado em toda a América Latina. Estudei nas obras de
Marx, Engels e Lênin qual o processo histórico da humanidade, porque a
humanidade já passara por outras sociedade divididas em classes: o escravagismo
que nasceu, desenvolveu-se, cresceu, atingiu o auge, entrou em decadência e
morreu e foi substituído no mundo inteiro pelo Feudalismo, o mesmo acontecendo
com esta sociedade dividida em classes entre a Aristocracia e o Trabalhador do
campo o servo da gleba e que o capitalismo era, também, uma sociedade dividida
em classes e com as outras sociedades ao contrário do que muita gente pensava,
não tinha nada de eterno, ele também evoluía, tendia a crescer, chegava a uma
nova etapa já no fim do século passado, a etapa imperialista e que entrava numa
curva descendente e que também morreria para ser substituída, finalmente, por
uma outra sociedade efetivamente livre da exploração do homem pelo homem. É
assim companheiros que eu vejo o comunismo, foi assim que eu cheguei a lutar
por essa nova sociedade.
O comunismo ainda hoje é bastante caluniado, apesar de já estar no
poder a etapa socialista da sociedade que marcha para o comunismo, a verdade é
que as calúnias e os ataques continuam por incompreensão. No entanto, estou
convencido de que lutando, pelo fim do capitalismo e a substituição por uma
sociedade nova, livre, efetivamente, da exploração do homem pelo homem, não
faço nada mais do que me colocar no sentido histórico do desenvolvimento da
humanidade. Esse é o dever de um cidadão que compreende e estuda a história da
humanidade, como já fizeram os filósofos do Séc. XVIII, armando o povo francês
para a grande revolução burguesa de 1789, colocar-se no sentido de que a
história, efetivamente, se desenvolve. Penso não haver crime nisto e penso que
só aí está realmente a verdadeira posição de um revolucionário, de alguém que
luta pelo próprio bem-estar de seu povo. A Nação, meus amigos, é o povo; é o
povo brasileiro que reclama modificações profundas na sociedade atual.
(Palmas.)
A fome, a miséria, assumem proporções inauditas em nosso País, no nosso
povo e medidas não tomadas pelos governantes brasileiros para resolver esses
problemas. Já em março de 81 tive a ilusão de conseguir convocar todas as
forças sociais de nosso País.
Vamos discutir, vamos examinar a situação do nosso povo; vamos ver o
que será possível fazer para darmos um passo para minorar os sofrimentos do
povo, porque considero que este é o primeiro dever de um governo: voltar-se para
o povo e procurar minorar o seu sofrimento. Acrescentava, então, um projeto de
medidas que propunha discutir com todas as classes sociais, mas não consegui
que essas discussões se realizassem. Esse documento está publicado, pois
propúnhamos questões que, qualquer governo, querendo, poderia pô-las em
prática. Se não podem aumentar os salários, vamos reduzir os preços de alguns
produtos indispensáveis à alimentação do povo. Não fazer um congelamento geral,
como os economistas heterodoxos pretenderam em fevereiro de 1986, e como é
sabido fracassou. Passamos do congelamento de preços à recessão, que para o
trabalhador é pior do que a inflação, porque é a perda do emprego, é a perda do
salário indispensável à alimentação do povo. Então, propúnhamos que alguns
produtos indispensáveis à alimentação do povo fossem congelados em preços
inferiores aos atuais, acessíveis, portanto, ao salário mínimo, que vem
baixando de ano para ano. Em 1985, no governo do Sr. Sarney, o salário mínimo
já estava reduzido a 1/3 do que devia ser o salário real para corresponder ao
salário real de 1941, que era o primeiro salário legalizado pelo Sr. Getúlio
Vargas, foi assinado um Decreto legalizando o salário mínimo. Mas, em 1986 já
estava reduzido a 1/4, e neste ano já está reduzido a cerca de 1/7 ou 1/8 do
que devia ser o salário para corresponder ao que devia ser o salário mínimo em
1941, há 46 anos atrás.
Esta é a primeira medida que propúnhamos; a segunda é um salário
desemprego para aqueles que perdem seus empregos, o que constitui a maior
tragédia para o chefe de família operária, ficar de noite para o dia sem
recursos para alimentar seus filhos. A terceira medida, é que a esses que estão
reduzidos à miséria absoluta, sem nenhuma fonte de renda, o Governo teria
obrigação de cuidar da sua alimentação, assegurar no mínimo para sobreviverem
sem o menor sofrimento.
Este programa está no papel, mas dificilmente pode ser posto em prática
porque as classes dominantes não querem discutir nenhum programa neste sentido.
E os militares pensam que ser patriota é simplesmente ter uma força armada a
cada dia mais dispendiosa, mais poderosa, se possível fabricar a bomba atômica
aqui no Brasil, no momento em que no mundo inteiro as forças mais
progressistas, mais avançadas conseguem este grande passo no movimento da paz e
da coexistência pacífica entre os povos, com a eliminação das armas atômicas no
Continente Europeu.
Sendo, portanto, comunista, não estou fazendo nada mais do que seguir o
processo histórico da humanidade. A humanidade marcha é nesta direção. Não é o
anti-comunismo que vai impedir que esta marcha leve ao sucesso e que deve,
realmente, alcançar no Brasil e nos demais países da América Latina uma
sociedade nova, livre, efetivamente, da exploração do homem pelo homem.
À Câmara Municipal de Porto Alegre, por seu intermédio, ao povo, à
democracia existente nesta Cidade de Porto Alegre que os Senhores representam,
os meus agradecimentos por esta alta honra de me entregarem este título de
Cidadão Emérito de Porto Alegre. Muito obrigado. (Palmas.)
(Não revisto pelo orador.)
O SR. PRESIDENTE: Sr. Luiz Carlos Prestes,
cabe a esta Presidência, uma vez mais, renovar a nossa satisfação da sua
presença nesta Casa.
Já nos encontramos nela uma vez, quando V. Sa. retornava do exílio e
esta Casa, como nesta ocasião e naquela, era repleta de figuras notórias da
nossa sociedade. V. Ex.ª, como bem disseram os oradores, não foi realmente
homenageado por esta Casa, V. Ex.ª, com sua presença, homenageia esta Casa.
(Palmas.) Para tanto, V. Ex.ª poderá comprovar que o ato de hoje em que lhe
concede o título de Cidadão Emérito de Porto Alegre não só foi proposto pelo
Ver. Pedro Ruas, mas, também, conta, aqui, com a presença do Sr. Prefeito
Municipal Dr. Alceu Collares e com a presença do nosso Governador Dr. Pedro
Simon. Portanto, a sociedade política do Rio Grande do Sul e de Porto Alegre se
faz presente neste momento, homenageando um filho desta Cidade e um filho deste
Estado. (Palmas.)
Acredite, homenageado Luiz Carlos Prestes que, independente de
quaisquer ideologias, quando se diz lá fora que se é gaúcho, muitos de nós
indagam e perguntam: “E a história de Luiz Carlos Prestes, pode nos contar?
Sendo ele filho daquela terra, o senhor tem obrigação de nos contar.” De
maneira que, quando saímos do nosso Estado, temos um legado. E acredito que nos
Anais da Câmara, hoje, fica um fato material do qual nós todos, gaúchos
porto-alegrenses, podemo-nos orgulhar, honrando esse compromisso que nos cobram
além das fronteiras do Rio Grande. Agradeço, sobremaneira, a presença do Sr.
Prefeito, do Sr. Governador do Estado e de todas as autoridades aqui presentes
e representadas, acreditando que todos nós cumprimos com a nossa obrigação.
Nada mais havendo a tratar, estão encerrados os trabalhos.
(Levanta-se a Sessão às 18h20min.)
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