ATA DA TRIGÉSIMA TERCEIRA SESSÃO SOLENE DA QUINTA SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA NONA LEGISLATURA, EM 29.09.1987.

 


Aos vinte e nove dias do mês de setembro do ano de mil novecentos e oitenta e sete reuniu-se, na Sala de Sessões do Palácio Aloísio Filho, a Câmara Municipal de Porto Alegre, em sua Trigésima Terceira Sessão Solene da Quinta Sessão Legislativa Ordinária da Nona Legislatura, destinada à entrega do título honorífico de Cidadão Emérito ao Sr. Luiz Carlos Prestes, concedido através do Projeto de Resolução nº 04/87 (proc.nº 571/87). Às dezesseis horas e vinte e oito minutos, constatada a existência de “quorum”, o Sr. Presidente declarou abertos os trabalhos e convidou os Líderes de Bancada a conduzirem ao Plenário as autoridades e personalidades presentes. Compuseram a MESA: Ver. Brochado da Rosa, Presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre; Dr. Pedro Simon, Governador do Estado do Rio Grande do Sul; Dr. Alceu Collares, Prefeito Municipal de Porto Alegre; Drª. Cléa Maria Carpi da Rocha, Vice-Presidente da Ordem dos Advogados da Brasil; Dr. Ariano Prestes, Diretor-Presidente da Fundação Cultural Prestes; Profª. Neuza Canabarro, Secretária Municipal de Educação e Cultura; Sr. Luiz Carlos Prestes, Homenageado; Srª. Maria do Carmo Ribeiro, esposa do Homenageado; Ver. Pedro Ruas, proponente da Sessão e , na ocasião, Secretário “ad hoc”. Ainda, o Sr. Presidente registrou as presenças do Dr. Jarbas Pires Machado, Secretário da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul; Dr. Cláudio Accurso, Secretário do Planejamento do Estado do Rio Grande do Sul; Ver. André Forster, Superintendente da Metroplan; Srª. Julieta Batistioli, primeira Vereadora a participar deste Plenário; Dep. José Fortunati, do PT; Sr. Antônio Cândido, ex-Vereador desta Casa. A seguir, o Sr. Presidente concedeu a palavra aos Vereadores que falariam em nome da Casa. O Ver. Pedro Ruas, como proponente desta Sessão, saudou o ex-Senador Luiz Carlos Prestes, o “Cavalheiro da Esperança”, dizendo que ele representa a própria história do Brasil, a essência da luta de um povo oprimido em busca da sua liberdade. Declarou que é esta Casa que se encontra sendo homenageada pela presença de S.Sª., discorrendo sobre a vida, a ideologia política e as campanhas de Luiz Carlos Prestes ao lado do povo, na procura de uma manutenção da esperança e da luta pela justiça social e contra o arbítrio. O Ver. Adão Eliseu, em nome das Bancadas da PDT e do PDS, comentou a biografia do homenageado, discorrendo sobre suas campanhas políticas e revolucionárias especialmente sobre a “Coluna Prestes” a qual atravessou o Brasil de Sul a Norte e de Leste a Oeste, em pregação libertária. Ao finalizar, leu depoimentos de personalidades mundiais, entre eles o de Pablo Neruda, Romain Rolland e Dolores Ibarruri, a respeito do homenageado. O Ver. Werner Becker, em nome da Bancada do PSB, saudou o homenageado mencionando trechos do escritor brasileiro Jorge Amado e do poeta chileno Plabo Neruda, sobre sua vida. Lembrou a trajetória revolucionária e política de Luiz Carlos Prestes, que empenhou toda sua vida, na luta contra a injustiça social e opressão nosso povo. O Ver. Antonio Hohlfeldt, em nome da Bancada do PT, disse que esta Casa, composta de partidos de ideologias diferentes, hoje se une para homenagear um homem que represente que o protesto e a luta do povo brasileiro pela liberdade e contra a injustiça social . Leu depoimento de personalidades mundiais, onde é ressaltada a importância da luta política empreendida pelo Sr. Luiz Carlos Prestes, em prol do comunismo. E o Ver. Flávio Coulon, em nome da Bancada do PMDB, lembrou que a figura mitológica que povoou os sonhos de sua juventude, ainda hoje povoa os sonhos da juventude brasileira. Saudou S.Sª., dizendo que o “Cavalheiro da Esperança” continua sendo a única esperança do povo brasileiro. A seguir o Sr. Presidente convidou os presentes a, de pé, assistirem à entrega, pelo Ver. Pedro Ruas, do título honorífico de Cidadão Emérito ao Sr. Luiz Carlos Prestes. Em continuidade, o Sr. Presidente concedeu a palavra ao homenageado, que lembrou a fibra dos soldados que compunham a “Coluna Prestes” e as finalidades da mesma, tecendo breve relato sobre a histórica caminhada e sobre os rumos dos participantes da mesma. Apresentou considerações sobre a atual situação sócio-econômica do Brasil, sugerindo algumas medidas que amenizariam a miséria do povo brasileiro. Finalizou dizendo que a história ruma para a concretização dos ideais comunistas. A seguir, o Sr. Presidente fez pronunciamento alusivo ao evento, convidou as autoridades e personalidades presentes a passarem à Sala da Presidência e , nada mais havendo a tratar, levantou os trabalhos às dezoito horas e vinte minutos, convocando os Senhores Vereadores para Sessão Ordinária de amanhã, à hora regimental. Os trabalhos foram presididos pelo Ver. Brochado da Rocha e secretariado pelo Ver. Pedro Ruas, Secretário “ad hoc”. Do que eu, Pedro Ruas, Secretário “ad hoc”, determinei fosse lavrada a presente Ata que, após lida e aprovada, será assinada pelos Senhores Presidente e 2º Secretário.

 

 


O SR. PRESIDENTE: Como é praxe da Casa, as Bancadas indicam os oradores que se farão ouvir. Para tanto, falarão os Vereadores Pedro Ruas, autor da preposição, Adão Eliseu, Werner Becker, Antonio Hohlfeldt e Flávio Coulon.

Com a palavra, o Ver. Pedro Ruas.

 

O SR. PEDRO RUAS: Sr. Presidente, Srs. Vereadores, demais componentes da Mesa, minhas Senhoras, e meus Senhores, é bastante comum, em homenagens deste quilate, reprisar-se a biografia, a história da pessoa que recebe a distinção.

Hoje, porém, o homenageado é Luiz Carlos Prestes, o revolucionário, o Senador, o Cavalheiro da Esperança, o líder maior de todo um povo, e sua história pessoal é a própria história deste País. E Prestes está vivo.

É bem verdade que a biografia de Prestes, assim como a biografia do Brasil, não é bem a que se ensina nas aulas de história de nossos colégios.

Não. A história de Luiz Carlos Prestes, quando é a própria história do Brasil, foi sempre contada às escondidas, escrita, às vezes, por intelectuais ilustres e, quase sempre, transmitida oralmente, de pai para filho, entre a classe operária à quem dedicou seus quase noventa anos de existência .

Desnecessária a aula de história, cumpre lembrar que, ás vezes, se cometem equívocos ao referir quem homenageia e quem é homenageado em cada solenidade.

Hoje, na verdade, homenageada é esta Casa, esta Câmara Municipal, esta Cidade, com sua presença, Senador.

Com a presença de quem liderou a maior marcha em território nacional, lutando por justiça social e contra o arbítrio e o despotismo, ao longo de dois longos anos e por mais de vinte e cinco mil quilômetros.

De quem comandou o levante de trinta e cinco e que por isso penou por nove anos nos cárceres da ditadura .

Com a presença de quem mereceu o amor e o companheirismo de Olga Benário, a grande revolucionária, a grande mártir da causa do Socialismo internacional.

De quem manteve seus princípios ideológicos e coerência política nas condições mais adversas, num vínculo indissolúvel com os interesses maiores de todo o povo brasileiro.

Com a presença de quem não esmoreceu e atravessou ditaduras, combatendo sempre do mesmo lado, sempre na mesma trincheira, sempre com os humildes, com os que passaram e passam fome, com os que só tiveram voz no brado do Capitão da Coluna.

Mais importante que encarar a própria história é encarnar o melhor desta história .

Vanguarda personalizada dos movimentos sociais mais significativos, Luiz Carlos Prestes é a essência da chama revolucionária de um povo oprimido.

Disse José Martí :“ Para falar sobre Prestes é preciso ter uma montanha como tribuna.”

Não temos a montanha, Senador, mas temos a tribuna honrada do povo de Porto Alegre, que hoje é maior, porque dela se fala sobre o Senhor.

A sua Porto Alegre, Comandante, a nossa Cidade, para a qual estão hoje voltadas as atenções de nosso povo, na homenagem que é realizada.

E Prestes está vivo.

Hoje é um grande dia para esta Casa, Senador.

Aqui estão os representantes do povo de Porto Alegre, seus amigos, alguns de seus inúmeros admiradores e companheiros de ideal.

É bem verdade, que não estão entre nós Pablo Neruda, Raul Tuñon, Charlie Chaplin, Max Weber, José Portogalo ou Doleres Ibarruri, entre tantos outros nomes ilustres que já lhe renderam homenagens.

É bem verdade que esta tribuna não é a montanha referida por José Martí como sendo necessária para falar sobre Luiz Carlos Prestes.

Mas é verdade, também, no dia de hoje, que as pessoas aqui presentes pretendem juntar seu reconhecimento às outras tantas homenagens que este herói brasileiro já recebeu .

O Comandante Prestes hoje é cidadão Emérito de Porto Alegre.

Para todos nós, homens e mulheres vinculados à causa popular, o momento é grandioso.

Para mim, em especial, que há menos de dois anos exerço o mandato de Vereador em Porto Alegre, existe uma sensação de dever cumprido.

Luiz Carlos Prestes está entre nós. Vivo e atuante, obstinado e apaixonado pela causa maior de todo o povo brasileiro.

Outro oradores, no dia de hoje, certamente hão de frisar as passagens históricas mais importantes da vida do grande político.

Para este Vereador, porém, resta lembrar o que agora passa a ser palavra de ordem na luta social : “Prestes está vivo”.

Perseguido, processado, preso, exilado, lutando sempre, Prestes está vivo, contra tudo e contra muitos, Prestes está vivo e este povo brasileiro pode continuar a ter esperanças. Muito obrigado. (Palmas.)

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: Com a palavra, o Ver. Adão Eliseu, que falará pelas Bancadas do PDT e do PDS.

 

O SR. ADÃO ELISEU: Sr. Presidente, Srs. Vereadores, Senhoras e Senhores. Luiz Carlos Prestes é cidadão porto-alegrense e que hoje recebe desta Casa Legislativa o título de Cidadão Emérito.

Nasceu na Rua Riachuelo em 1898. Filho do capitão Antônio Pereira Prestes e Dona Leocádia Felizardo Prestes.

Já como engenheiro-militar, em 1924, com apenas 26 anos de idade, revoltado com os desmandos e as injustiças do governo Artur Bernades, subleva o Batalhão Ferroviário em Santo Ângelo e parte dali para a mais longa e heróica jornada da história brasileira.

Ao longo de 25.000 quilômetros sempre perseguido em combates contínuos a “Coluna Prestes” atravessou o Brasil de Sul ao Norte e de Leste a Oeste em pregação libertária na defesa da vontade do povo, numa saga que deslumbrou o mundo.

Em 1926 a Coluna Prestes desfez-se em La Guaíra, na Bolívia, onde houve repartimento dos que desejaram voltar ao Brasil ou trabalho para os que ficaram no exílio.

Em 1928 toma contato com o Partido Comunista Brasileiro e com o marxismo, lança um manifesto: “Ao proletariado sofredor de nossas cidades, aos trabalhadores oprimidos das fazendas e das estâncias, á massa miserável do nosso sertão e muito especialmente aos revolucionários sinceros, aos que estão dispostos à luta e aos sacrifícios em prol da profunda transformação por que precisamos passar, são dirigidas estas linhas.”

Em 1930, mesmo á distância do Brasil , não perdeu a perspectiva de luta e escreve o célebre “ Manifesto de Maio”.

Em outubro de 1931, segue para Moscou a convite da III Internacional para trabalhar como engenheiro na União Soviética .

Em 1934 ingressa oficialmente no Partido Comunista Brasileiro. No fim desse ano, juntamente com Olga Benário, retorna clandestinamente ao Brasil.

Mantendo sempre viva a idéia de uma transformação no País, Prestes organiza-se com diversos companheiros e lança manifesto em 5 de julho, culminando com o histórico “Levante de 1935”.

Com o insucesso do movimento de novembro de 1935, Prestes é preso e cumpre pena durante nove anos, enquanto o mundo fervia sob os episódios da 2ª Guerra Mundial .

Durante esse período de grande sofrimento, sua mulher Olga Benário, foi presa, deportada e morta nos campos de concentração nazista.

Em 1943, ainda preso, foi eleito Secretário Geral do PCB. Anistiado e solto em 1945, em dezembro do mesmo ano é eleito Senador pelo Distrito Federal e Deputado Federal e Deputado Federal por vários Estados da Federação; luta pela legalização do PCB e por uma Assembléia Nacional Constituinte.

Em 1947 o PCB retorna a ilegalidade e Prestes é cassado. Começa aí um período de clandestinidade que dura aproximadamente 10 anos.

Em 1958 o movimento democrático permite que os comunistas voltem à luz do dia, mesmo na ilegalidade, sendo revogada a ordem de prisão contra Prestes.

Em 1964, com o golpe militar, Prestes volta à clandestinidade.

Em 1971 parte para o exílio no exterior de onde só voltaria em outubro de 1979, passando a ter desde então intensa atividade política no País, com episódios de grande repercussão, como foi o rompimento com o Comitê Central, do PCB e apoio a Brizola nas eleições de novembro de 1982.

São quase noventa anos de lutas, de cárceres, de exílios, de clandestinidade, de sofrimento por uma causa única - amor à Pátria e à humanidade. E a grandeza desse amor é cantada e prosa e verso pelos maiores escritores e poetas contemporâneos. E nada melhor, no momento, do que repetir alguns trechos dessas manifestações.

“Nenhum dirigente comunista da América tem uma vida tão trágica e portentosa quanto Luís Carlos Prestes. Herói militar e político do Brasil, sua verdade e sua legenda ultrapassam há muito tempo as restrições ideológicas. Ele se converteu em uma espécie de encarnação viva dos heróis antigos.” (Pablo Neruda, “ Confesso que vivi”)

“O comando da coluna não serviu somente para Luiz Carlos Prestes demonstrar as suas notáveis qualidades de estrategista e de tático no campo militar. Contribui também para que ele, vendo de perto as condições miseráveis em que viviam as populações sertanejas e compreendendo a impossibilidade de resolver o problema no regime vigente, viesse a adotar o marxismo e a se tornar a figura mais destacada do Partido Comunista Brasileiro”. (Edmundo Muniz, “ A Coluna Prestes” de Nélson Wernek Sodré)

“Um dia o povo negro do Brasil, escravo e desgraçado, fez o milagre de poesia que foi o poeta Castro Alves. Um povo que não podia falar precisando de uma voz que clamasse. Fez o milagre da mais bela das Vozes.

E muitos anos depois, todo o povo do Brasil, escravo e desgraçado, o povo negro, o povo índio escondido no fundo das florestas, o povo branco, o povo mulato é o povo mais lindo do mundo, povo de mãos e pés atados, com sede, com fome, sem livros e sem amor, fez o milagre de heroísmo que é Luiz Carlos Prestes.” (Jorge Amado)

Parafraseando José Martí, para se falar em Luiz Carlos Prestes é preciso ter uma montanha como tribuna. Ou, então, deixar que falem por nós, grandes figuras da humanidade.

“New York.

Luiz Carlos Prestes.

Rio de Janeiro - Brasil.

Enviamos nossas mais calorosas felicitações ao grande brasileiro Luiz Carlos Prestes e, por seu intermédio, aos demais anti-fascistas libertados.

A anistia é a verdadeira expressão democrática da vontade do povo brasileiro”.

Assinavam o telegrama: Charles Chaplin, Theodor Dreiser, Thomas Mann, Lion Feuchtwanger, Walter Drill Scott, Grocho Marx, Frederick March, Pierre Van Paasan, Max Weber, Elliot Paul, Eugene Ormandy, Douglas Adams, Howard Fast.

“Luiz Carlos Prestes entrou vivo no Panteon da História. Os séculos cantarão a canção de gesta dos mil e quinhentos homens da Coluna Prestes e sua marcha de quase três anos através do Brasil .

Um Carlos Prestes nos é sagrado. Ele pertence a toda a humanidade. Que o atinge, atinge-a.” Romain Rolland

“...Este homem que, isolado de todo contato do mundo, exceto as breves cartas de sua mãe, permanece fiel ao seu Partido e às suas convicções revolucionárias é um perigo para a reação brasileira, porque ele será, enquanto viver, o Cavaleiro da Esperança do povo brasileiro.” Dolores Ibarruri

“Em nosso país, nos Estados Unidos, há poucos intelectuais que não conheçam a saga de Luiz Carlos Prestes. Ele pertence à História, como John Brown, o herói da Guerra de Secessão. Ele pertence às Américas, como Bolívar, San Martin ou Juarez.

Não façais mal a este grande brasileiro, a este legendário cavaleiro da liberdade do povo. A História e os povos de todo o mundo vos fitam vigilantes. Luiz Carlos Prestes é amado como o foram Washington, Lincoln e Frankllin Delano Roosevelt .

Aqueles que o ameaçam com a perseguição e a injustiça lançam o apróbio sobre o grande nome do Brasil . Os que o defendem estão com a liberdade em todo o mundo.” Michael Gold (Grande romancista norte-americano)

“Tenho por esse patriota que é Luiz Carlos Prestes não somente uma admiração sem limites como também o mais vivo sentimento de gratidão, pois o combate que ele conduz pela independência de seu país nos serve de exemplo e serve à causa de todos os povos que lutam por sua liberdade e sua vida. Um herói como ele defende a honra e a felicidade de todos os povos.” Paul Eluard (Poeta nacional da França)

“Entre o Brasil e a Turquia há oceanos e montanhas, mas na luta pela paz, a liberdade e o pão, o povo turco é vizinho bem próximo do povo brasileiro. O povo turco saúda o grande Prestes como um dos maiores heróis do combate pela libertação da humanidade.” Nazim Hikmet (Poeta nacional da Turquia)

Concluindo e parafraseando Umunamuno: se o brasileiro Luiz Carlos Prestes, patriota e revolucionário, não existisse, a humanidade não estaria completa!

E aqui, Senhores, tentamos, neste encerramento, trazer algumas palavras de algumas personalidades do mundo cultural, do mundo da filosofia, do mundo da política, de todo esse orbe terrestre, de cada canto, uma voz. E para elucidar melhor as nossas modestas e simples palavras, que diriam muito pouco a respeito da grande personalidade do mundo, que é Luiz Carlos Prestes. Aproveito para concluir com mais uma citação, parafraseando Miguelo Umunamuno:

“ Se o brasileiro Luiz Carlos Prestes, patriota e revolucionário não existisse, a humanidade não estaria completa”. Muito obrigado. (Palmas.)

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: Com a palavra, o Ver. Werner Becker, que falará em nome da Bancada do PSB.

 

O SR. WERNER BECKER: Sr. Presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre, Ver. Brochado da Rocha; Exmo. Sr. Governador do Estado Pedro Simon, cuja presença nesta Casa, mais uma vez, nos homenageia, nos é grata; Exmo. Sr. Dr. Alceu Collares, Prefeito eleito pela vontade da Cidade de Porto Alegre; Sra. Maria do Carmo Ribeiro, esposa do homenageado; Dra. Cléa Maria Carpi da Rosa, Vice-Presidente da Ordem dos Advogados da Brasil; Dr. Ariano Prestes, Diretor-Presidente da Fundação Cultural Prestes; Dr. Antônio Pinheiro Machado Neto, Constituinte de 1946, de uma Constituição que a violência, a prepotência já rasgou; Ver. Antônio Cândido, o “Bagé”, um dos poucos representantes operários que esta Casa já teve; Ver. André Forster, Presidente da Metroplan, cuja presença entre nós ainda deixa saudades, que marcou de forma indelével, inclusive, no testemunho de quem o sucede como “uma das figuras mais expressivas que já se assentou na Casa do Povo de Porto Alegre”; Dr. Claudio Accurso, Secretário do Planejamento do Estado; Vereadora Julieta Battistioli, primeira Vereadora mulher da Câmara Municipal de Porto Alegre; Exmo Sr. Jarbas Pires Machado, Secretário da Agricultura do Estado; Deputado José Fortunati, do Partido dos Trabalhadores; Srs. funcionários da Casa; minhas Senhoras e meus Senhores:

“Te contarei agora a história do herói. Já te contei, amiga, a história do poeta. A poesia era a sua alma, ia na frente do povo.

Vou te contar, amiga, a história dessa luz, dessa estrela, dessa esperança. Muitas vezes me perguntaste se era Pedor Ivo, se era Tiradentes, se era o negro Zumbi dos Palmares, algum dos heróis cantados pelo poeta Castro Alves. Na noite do cais da Bahia, um negro sorria . Ele tinha um “p” tatuado no peito. Ele sabia da verdade. “Seria um milagre?” Me perguntaste. “É um milagre”, eu te respondi.

E muitos anos depois todo o povo do Brasil, escravo e desgraçado, o povo negro, o povo índio escondido no fundo da floresta, o povo branco, o povo mulato que é o povo mais lindo do mundo, povo de mãos e pés atados, com sede, com fome, sem livros e sem amor, fez o milagre de heroísmo que é Luiz Carlos Prestes, “p” no peito dos negros, no coração dos soldados da Coluna, luz no coração dos homens, operários, marítimos, camponeses, poetas, sambistas, tenentes e capitães, romancistas e sábios. Luz no coração dos homens, das mulheres também, estrela da esperança. Um povo escravo precisando do seu herói. Fez o milagre do maior dos heróis.

Herói, que coisa tão simples, tão grande e tão difícil.

Herói, que palavra mais linda. Só o povo, amiga, concebe, alimenta e cria o herói. Nasce das suas entranhas que são as suas necessidades. Nasce do povo, é o próprio povo no máximo das suas qualidades. Como o poeta, vai na frente do povo. O poeta e o herói constróem os povos, dão-lhes personalidade, dignidade e vida. São momentos supremos na vida de uma nação e na vida de um povo, tão necessários como o ar que se respira, a comida que se come, a mulher que se ama. Por isso os inimigos do povo, os traidores do povo, os que o querem enganar e desgraçar, tentam apresentar heróis e poetas nas praças públicas. Mas, amiga, esses são os falsos heróis e falsos poetas. O poeta está na praça quando o povo clama, pedindo liberdade. O herói está na frente do povo quando o povo se levanta, conquistando liberdade. Os outros são fabricados, poetas incensadores dos tiranos, nascidos de um setor de classe, vendidos por migalhas de pão de mesas ricas, capados no seu poder criador igual a um capão que tem a plumagem tão linda, como um galo mas não tem nenhuma força viril. E os que, coroados de louros, se apresentam como heróis são apenas tiranos sobre o povo, em dramático carnaval.

Tu choraste um dia, negra, quando alguém que nos era caro se vendeu, vestiu ele também sua camada de lama. Durante um momento perdeste a confiança e desejaste morrer já que tudo era tão pobre e tão vil. E então eu te prometi contar a história do herói, aquele que nunca se vendeu, que nunca se dobrou, sobre quem a lama, a sujeira, a podridão, a baba nojenta da calúnia deixaram rastro. E como ele é, o próprio povo sintetizado num homem, é certo que o povo não se vendeu, nem se dobrou. Como ele, o povo preso e perseguido, ultrajado e ferido. Mas, como ele, o povo se levantará, uma, duas, mil vezes, e um dia as cadeias serão quebradas, a liberdade sairá mais forte de frente as grades. “Todas as noites têm uma aurora”, disse o poeta do povo.

Te contarei a história do herói, amiga, e então não terás jamais em teu coração um único momento de desânimo, como naquelas noites em que o seu nome; balbuciado por vezes a medo, afastava a amargura e o terror, agora eu falarei dele para que tu e o povo do cais que me ouve saibam que podem confiar e que a noite não é eterna .

Aprende nela uma lição de coragem e de fidelidade ao povo e a liberdade. E saberás então por que se pode deixar a pátria e as pessoas que amamos e partir para outras terras ou para os cárceres e ainda assim ser feliz. Nunca é caro, amiga, o preço da liberdade; mesmo quando é mais que a morte, é a vida no exílio ou na prisão.”

Este texto preambular, obra-prima da literatura brasileira, foi acusado de ingênuo pelos mambembes do classicismo. A resposta é do seu autor, Jorge Amado: “Pessoa que somente agora leu este livro, achou-o ingênuo; a classificação não me desgosta. A ingenuidade não representa um mal maior; perigoso é o cinismo que vem-se transformando em hábito no pensamento político do país”.

Como Jorge Amado, eu também prefiro a ingenuidade ao cinismo. Cinismo da luta contra a corrupção; cinismo do anticomunismo travestido em paranóia; cinismo do milagre brasileiro; cinismo dos “noventa milhões em ação, salve a seleção”; cinismo do “ame-o ou deixe-o”; cinismo do “ninguém segura a juventude do Brasil”; cinismo de uma transação fantasiada em transição; cinismo de Constituinte partejada na ilegitimidade e auto-estuprada na sua soberania; cinismo do estelionato eleitoral do Plano Cruzado; cinismo dos partidos políticos que têm confessadamente programa para palanque e programa para governo.

Para orgulho de Porto Alegre Luiz Carlos Prestes nasceu no centro da nossa Cidade, na Rua Riachuelo, no dia 03 de janeiro de 1898. Após formar-se com distinção no Colégio Militar, Prestes entrou para a Academia Militar do Realengo. Quando seu pai era cadete, a academia estava situada na Praia Vermelha ao pé do Pão de Açúcar, próximo ao centro da Cidade. Os colegas de seu pai tinham ajudado a derrubar o último imperador do Brasil e outros cadetes, seis anos depois, rebelaram-se contra o primeiro presidente civil do país. Esses rebeldes tinham sido expulsos, mas a tradição de rebeldia prevalecera .

O ano de 1924 se aproximava do fim quando, em outubro, irrompia novo movimento tenentista, na região missioneira. Cercados por forças governamentais muito superiores, conseguiram os revoltosos, ao comando do Capitão Luiz Carlos Prestes, romper, em audaciosa manobra, o referido cervo, deslocando-se para o norte. Essas duas colunas, a que se originara em São Paulo e a que se originara nas Missões, encontraram-se no sudoeste do Paraná. No acantonamento de Santa Helena, a 14 de abril de 1915, era baixado o Boletim nº 1 do Comando da 1ª Divisão Revolucionária, constituída pelo agrupamento daquelas duas colunas. Esse agrupamento ficaria conhecido, dentro de algum tempo, como Coluna Prestes.

Em momentos diversos e lugares os mais variados, a Coluna enfrentou forças regulares do Exército; em alguns casos, essas forças alcançaram efetivo considerável, dotadas de copiosos meios, de sólida estrutura, de comando bem constituído. Mas é possível dizer que, no conjunto, as que, de fato e continuadamente, a combateram, foram as forças irregulares, a tropa do latifúndio. Em certos casos, com a ajuda ou em aliança com as polícias militares estaduais; em outros, sob o comando militar; na maioria, conduzidos os jagunços pelos próprios latifundiários a quem serviam .

O latifúndio sentia a ameaça que a Coluna representava. Seu combate, pois, e a forma de que se revestia, raiando sempre a crueldade mais desmedida, era conseqüente. Longamente, o latifúndio gerara a organização militar que o serviria. Num vale úmido do Cariri, próximo a velha Cidade do Crato, começa a surgir o cenário social de drama peculiar ás áreas feudais brasileiras. Ali se estabelecera o Padre Cícero Romão Batista, com enorme ascendência sobre uma população em que o misticismo disfarçava as condições de miséria e de abandono. Essa gente, que se acumulava por força de suas necessidades, era material humano fácil de conduzir, de que lançava mão o chefe local, aqui e ali, e chefes outros, para resolverem, pelo trabuco, as suas rivalidades políticas. Foi essa a matéria-prima de que se valeu Floro Bartolomeu, para liquidar o governo de Franco Rabelo. Na Bahia, na região diamantífera, em torno de alguns chefes locais, entre os quais se destacaria, desde cedo, a figura de Horácio de Matos, em conseqüência das mesmas condições, surgiram forças irregulares também poderosas, cujo papel, nos acontecimentos políticos da época, foi destacado. Em todo o interior, assim, o latifúndio gerou a sua força militar, e dela se serviu amplamente.

Hoje com a urbanização do País o populismo, sob as mais diversas formas, se agrupa nas grandes cidades, e dá respaldo para que extensos setores da classe média e até mesmo do operariado batam as portas dos quartéis reivindicando soluções imediatistas, de repercussão meramente na superfície social e estratificando toda a nossa infra-estrutura arcaria e desumana.

A grande prova para diferenciar os políticos tradicionais e os militares tenentistas teria de ser, evidentemente, a do poder. O que os distinguia não era o fato de serem uns políticos civis e outros militares e tenentes, mas o de representarem correntes diversas da opinião, por serem, em conjunto, expressões de forças sociais diversas. Essa diversidade tinha sido verificada desde muito antes da vitória. Constatou-se que um libertador era o retrato vivo de um republicano. E a explicação é clara. Os membros dos dois partidos rio-grandenses não apresentam entre si os traços diferenciados da psicologia de duas classes sociais contraditórias ou mesmo de duas zonas divergentes de correntes populares. São elementos soldados pela homogeneidade de interesses, exprimindo a mesma política dos grandes estancieiros do sul. Do mesmo modo, os democráticos e perrepistas desempenhavam no fundo sempre o mesmo papel de representação dos fazendeiros de café, dos plutocratas paulistas. É claro que em política a contradição vaga de ideologias que não corresponde a contradição de interesses reais se desfaz com facilidade. Os nossos homens públicos têm tido quase todos a mesmas raiz comum, de modo que entre eles não há antagonismo fundamental de idéias em projeção no plano político.

Prestes, em 24, não era comunista. Como a de todo tenente patriota, sua mentalidade não ultrapassava os limites dos ideais democráticos pequeno-burgueses. Como autêntico representante dessa pequena burguesia antifeudal é que Prestes abalou o Rio Grande do Sul a frente da tropa e iniciou a grande marcha.(...) E a nacionalização das vias de comunicação, dos serviços públicos, as minas e os bancos, anulando as dívidas externas; limitação das horas de trabalho; proteção ao trabalho da mulher; seguro contra acidentes.

Até viajar para Moscou, em outubro de 1931, a convite do secretário da Internacional Comunista, Prestes ocupou espaço político divulgando vários manifestos; a maioria deles com ácidas críticas ao governo de Vargas e aos companheiros de coluna que com ele colaboravam, particularmente João Alberto, nomeado interventor de São Paulo.

Quando Luiz Carlos Prestes chega a Moscou, encontra um país enfrentando imensas dificuldades. Apesar dos progressos da industrialização e da revolução cultural, a baixa produção de alimentos criara um clima de descontentamento. A colheita daquele ano fora medíocre e diminuíra o gado. A ração de pão, que era de 800 gramas por dia, teve de baixar para 200 gramas e os preços no mercado livre aumentavam de maneira considerável por causa da escassez dos produtos. A penúria alimentar provocou uma diminuição da taxa de natalidade e um aumento da taxa de mortalidade. Politicamente, aguçaram-se as divergências entre stalinistas (defensores do socialismo num só país) e trotsquistas (adeptos da tese da revolução permanente).

Preocupado com as coisas de seu país, recolhida a experiência soviética, Prestes resolve voltar. Vários anúncios falsos de que Luiz Carlos Prestes estaria retornando ao País, publicados por jornais de esquerda e de direita, no final de 1934 e nos primeiros das de 1935, haviam deixado a político brasileira excitada e vigilante. O rastro da Coluna Prestes ainda estava vivo na paisagem política do País e havia uma espécie de veneração nacional pela figura do “Cavaleiro da Esperança”, obrigando Getúlio Vargas a exigir da polícia política redobrada e rigorosa precaução.

Em 1935, surgiria a Aliança Nacional Libertadora, forma encontrada, aqui e então, para reunir as forças que se antepunham a marcha para a ditadura fascistas. A partir do momento em que a Aliança Nacional Libertadora conseguiu arregimentar as forças democráticas e realizar amplas manifestações de massa, definindo sua posição anti-imperialista, contra ela se concentro a composição política que eliminara o tenentismo e marchava decididamente para um regime de força.

É inequívoco que representantes de todas as camadas da sociedade brasileira participaram da Aliança Nacional Libertadora, inclusive elementos das Forças Armadas. A marcha do governo para a violência, a brutalidade da repressão policial, a proibição das manifestações de pensamento e das tentativas de organização, criavam as condições para a explosão de movimento armado que, a 23 de novembro de 1935, surgiu em Natal, à base principalmente, mas não unicamente, como se pretendeu fazer crer, de forças militares; a 24, em Recife, onde, em condições idênticas, repontou outro foco e, a 27, no Rio de Janeiro. Na capital da República, a repressão imediata coube aos elementos militares regulares, mas em Pernambuco e no Rio Grande do Norte em que o levante teve a capacidade de durar mais de um dia, a repressão militar foi insuficiente, tendo sido poderosamente ajudada pelas forças irregulares do latifúndio. A essa repressão, sucedeu-se uma propaganda vesânica, destinada a colocar o movimento no nível do puro banditismo.

Cinco de março de 1936. Estava terminada uma das maiores operações da história política carioca. Durante 40 dias, sob um temporal inclemente, centenas de homens vasculharam, casa por casa, os bairros do Méier e do Cachambi, caçando o homem mais procurado do país: Luiz Carlos Prestes, líder do levante em 1935.

Na sua linguagem acusada de ingênua sem nenhuma sílaba despegada da realidade, Jorge Amado narra um tempo de horror no claro escuro da nossa história: “Vou-te falar, amiga, dos assassinos. Daqueles que matam friamente, devagarinho, no gozo do crime. Daqueles que torturam, daqueles que mandam torturar, e gozam com isso como se estivessem na cama com uma mulher amada. Te falarei também dos que não resistiram às torturas e traíram. São coisas tristes, amiga, degradantes e pequenas. Mesquinhas como todas as coisas dos tiranos e da escravidão. Encherei teu coração de tristeza na narração dessas misérias e dessas podridões”.

Mas, negra minha, tão bela, te direi também dos homens que sofreram as torturas pelo bem do seu povo. Que por ele foram mortos, por ele foram assassinados aos poucos, nos cárceres imundos. Te mostrarei homens pequenos como vermes, sedentos de sangue, monstruosos. Mas te mostrarei também homens na sua grandeza total, gigantes de coração e de caráter, imensos na sua dignidade, estrelas sobre essa noite, sobre a lama como um raio de luz que não se mancha nunca, que brilha sempre, é sempre límpido e formoso. Nunca os homens descem tanto como nesses anos, amiga. Nunca os homens sobem tanto, amiga, são tão grandes e tão belos, tão dignos e tão heróicos, como nesses anos. Ia começar o seu longo martírio. Ia começar também a mais impressionante fase de sua vida, aquela que o coloca ao alto das maiores figuras da humanidade. Traziam marinheiros que haviam sido expulsos da Armada como revolucionários e, ante a cela de Prestes, queimavam as suas nádegas com acetilenos. Sabiam que Prestes se atiraria sobre os policiais. E assim tinham o gosto de sujeitá-lo, de jogá-lo dentro do cárcere, onde ele não tinha como escutar as palavras soluçadas, os uivos de dor dos martirizados. Aos seus protestos os policiais respondiam com palavrões e gargalhadas. Berger enlouquecia no vão de uma escada. Quiseram enlouquecer também Luiz Carlos Prestes. Quiseram matá-lo aos poucos, quebrar a sua resistência orgânica e moral, liquidar o herói porque enquanto ele estivesse vivo, o perigo não desapareceria para os tiranos.

De 1936 a 1937, quando é transferido para a Correção, onde outros martírios o esperam, ele vive na polícia especial os seus dias sem ver ninguém, sem falar com ninguém, sem ler, sem escrever, sem nada saber do mundo.

O seu advogado, quando, tenta vê-lo, é repelido violentamente pela polícia. E o governo quer que o mundo acredite que houve um processo legal de julgamento... Processo mais cínico e mais ilegal que mesmo o de Dimitrov na Alemanha nazi.

O Tribunal de Segurança Nacional o condena a 16 anos e 8 meses de prisão. Será pouco ainda para o medo que o governo lhe tem. Depois conseguirão outro processo e o condenarão a mais 30 anos.

Mas, ah!, amiga, os carcereiros não sabem medir os homens. Os traidores e os tiranos, os inimigos do povo sobre o povo, não sabem de que barro são feitos os heróis. Não sabem que força estranha corre pelo sangue de homens como Luiz Carlos Prestes! Pensaram em comprá-lo, não o puderam comprar. Pensaram em comprá-lo, não o puderam comprar. Pensaram em dobrá-lo, não o puderam dobrar. Pensam em matá-lo mesquinhamente, covardemente. Pensam em enlouquecê-lo. Ele resiste, amiga. É o povo brasileiro quem resiste, é a liberdade que resiste.”

Do relato do poeta vamos ao relato dos jornais que embora se apresentem diferentes na forma, não se apresentam em relação ao conteúdo.

Antes, uma recordação que poucos lembram. O Tribunal de Segurança Nacional foi presidido pelo beleguim Barros Barreto que depois chegou ao Supremo Tribunal Federal para vergonha eterna da toga brasileira. Mais um cinismo das nossas instituições: o carrasco é festejado como homem justo e probo.

Em abril de 1945, a campanha pela anistia ampla e irrestrita ganha, finalmente, espaço nos jornais. A censura tinha sido suspensa, o que permitiu sensibilizar amplos setores da sociedade. “O Globo” engajou-se na luta pela libertação dos presos políticos. Em 4 de abril, o jornal publicou o seguinte editorial: “O grito da anistia percorre, nesse instante, todo o País. Antes mesmo das eleições, o povo reivindica a pacificação da família brasileira, em moldes democráticos; sem anistia, não haverá liberdade e sem esta é inútil falar em democracia”.

No dia 17, “O Globo” adianta que o presidente já tinha assinado o decreto, que fora redigido por seu ministro da justiça, Agamenon Magalhães. Na última edição do dia 18, o jornal anuncia que prestes já havia deixado a penitenciária central, incógnito. Na verdade, era uma notícia incorreta, pois o decreto de anistia só seria assinado no dia seguinte.

Saiu pelo portão com a fisionomia contraída, abatido e com muitos quilos a menos. Ainda ouviu um homem gritar, no meio da multidão: “Viva o general Prestes! Viva o Cavaleiro da Esperança!” Esboçou um sorriso, entrou no carro ao lado de amigos mais próximos e foi se embora. Voltava novamente à liberdade. Tinha 47 anos, envelhecera.

Mais uma abertura, mais uma Constituinte no claro escuro da história brasileira: Prestes obteve a eleição mais consagradora do País: além de senador pelo Distrito Federal, foi eleito deputado por Pernambuco, Rio Grande do Sul, e, também, pelo Distrito Federal, ficando na suplência no Rio de Janeiro, São Paulo e Bahia. Breve, precária abertura, mais uma Constituinte a referendar os privilégios da elite e um ano e pouco a mais o mandato de Prestes e de seus companheiros é cassado.

Em 05/01/48 volta para a clandestinidade. Mais uma vez sua prisão é decretada. Clandestino mas não inativo. Prestes permaneceu ativamente influindo na política nacional. Denunciava o caráter entreguista do Governo Dutra, o condestável do Exército Nacional agora travestido de guardião da Carta Constitucional. Fardas e fardões hoje e ontem revezando-se como guardas de um mesmo conteúdo político. Em 1954, denuncia as causas do golpe que levou Getúlio ao suicídio.

No governo de Jucelino abre-se um espaço democrático que leva o juiz Epaminondas Monjardim Filho, da 3ª Vara Criminal do Rio de Janeiro a revogar a sua prisão preventiva, decretada há uma década. Mais uma inovação jurisdicional contra Prestes: prisão preventiva cujo processo percorre uma instrução inclusa por cerca de dez anos. Este é o despacho judicial libertador: “Revoguei a prisão preventiva decretada contra o Sr. Luiz Carlos Prestes, por entender que não mais prevalecem as razões invocadas para sua aplicação. Segundo o artigo 313 do Código de Processo Penal, a prisão preventiva poderá ser decretada como garantia para assegurar a aplicação da lei penal. Quem garante a ordem pública são as autoridades militares, policiais e administrativas, e não há nenhum sinal nos horizontes pátrios de que ela venha a ser ou esteja sendo transtornada. A instrução criminal está praticamente finda e o requerimento de Prestes e seus companheiros, às portas de uma sentença, demonstra o propósito de não fugir à aplicação da lei penal”.

Prestes estava com 60 anos. E era um dos dirigentes comunistas de vida mais trágica. Sua filha, Anita, salva graças a uma campanha internacional de solidariedade, ele só viera conhecer em dezembro de 45, quando a menina já tinha nove anos. Na década de 50, Anita voltou a sair do País, indo estudar na União Soviética, só voltando a ver o pai no fim da década de 50, quando ele ganhou a liberdade.

Retorna no outro dia. Permanece na atividade política agora à luz do dia e lidera uma manifestação frente ao Palácio do Catete. Ainda no governo de Jucelino, quando o Presidente da República resolve-se insurgir contra as exigências do FMI. Vale o registro que não é de agora, mas de há muito tempo que pesa sobre o povo brasileiro as armas de garrote do FMI e se constata a resistência dos líderes mais lúcidos contra a asfixia sempre pretendida.

A renúncia de Jânio faz com Prestes apoie o histórico movimento da Legalidade que teve no Palácio Piratini seu quartel general e liderança de Leonel Brizola.

Em 1964 desce novamente uma longa noite de trevas no claro escuro da história brasileira. Prestes recebe homenagem dos cabeças do golpe, seus inimigos jurados: é o primeiro da lista dos cassados. Este privilégio que a reação lhe concede revela que o ódio da direita sempre é lúcido e sabe escalonar perfeitamente seus inimigos. Mais uma vez na clandestinidade permanece em ativa militância política com voz sempre ouvida e influente em todos os movimentos que se pretende organizar contra a ditadura.

Os tempos são recentes para serem rememorados. Somos todos testemunhas desta época, de seus horrores, da sua miséria. Mas as contradições internas do sistema ditatorial obrigam a um novo decreto de anistia. Embora fisicamente longe do País, Prestes permaneceu nele sempre politicamente presente.

Ficou 15 anos fora do País. No dia 20 de outubro de 1979, desembarcou no aeroporto internacional do Rio em condições totalmente opostas à que viveu em 35. Não havia nenhum segredo sobre sua chegada. E mais de dez mil pessoas, vindos de todas as partes do País, se comprimiam no aeroporto, empunhando bandeiras, faixas e cartazes em sua homenagem. O refrão que a multidão não cansava de gritar: “de norte a sul, / de leste a oeste, / o povo todo grita / Luiz Carlos Prestes”.

E continua com toda a sua lucidez e com toda sua coragem. Entre todas as suas virtudes que os poetas cantaram e a imprensa não pôde ocultar, quero ressaltar finalmente uma extremamente singular e na política algumas vezes absolutamente necessária: a de, quando necessário, saber ficar só apenas em companhia dos seus princípios, porque sabe que as condições subjetivas são flutuantes, mas as condições objetivas ajuntadas à lucidez ideológica, estas são permanentes e irredutíveis.

Pablo Neruda, poeta nunca desligado da realidade sintetiza: Luiz Carlos Prestes, marco da história que permanece viva. “Nenhum dirigente político da América tem uma vida tão trágica e portentosa quanto Luiz Carlos Prestes. Herói militar e político do Brasil, sua verdade e sua legenda ultrapassam há muito tempo as restrições ideológicas. Ele se converteu em uma espécie de encarnação viva dos heróis antigos”.

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: A Mesa concede a palavra ao Sr. Ver. Antonio Hohlfeldt. S. Ex.ª falará pela Bancada do PT com assento nesta Casa.

 

O SR. ANTONIO HOHLFELDT: Exmo. Sr. Presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre, Ver. Geraldo Brochado da Rocha; Exmo. Sr. Governador do Estado do Rio Grande do Sul, Dr. Pedro Simon; Exmo. Sr. Prefeito de Porto Alegre, Dr. Alceu Collares; demais componentes da Mesa, Senhores e Senhoras que preenchem e lotam este Plenário, nesta tarde; D. Maria do Carmo; Comandante Luiz Carlos Prestes:

Esta Casa, que tantas contradições vive e assiste, como reflexo de uma sociedade de classes em que vivemos, faz “sursis” de suas querelas, suspende suas disputas, para homenagear um filho da terra que aqui volta, tantos e tantos anos depois de dela ter partido, um dia. Baixo de estatura, enorme de porte moral. (Palmas.) Duro nas decisões, doce nos olhos com que mirou as gentes, e por elas fez sua luta.

Hoje é dia de se homenagear Luiz Carlos Prestes, que esta Casa resolveu lembrar, através da propositura do nobre Ver. Pedro Ruas. É significativo que seja um jovem político, que tenha tido a iniciativa. As novas gerações recordando o exemplo daquelas que serão, ao longo dos séculos, os nossos exemplos. Já muito se falou, aqui, do homenageado. E a mim me caberia, apenas, por me sentir demasiado pequeno para falar do comandante, valer-me da palavra dos poetas, para lembrá-lo. Relembrando, talvez, o primeiro dos que homenagearam a Prestes num poema, Mário de Andrade, no dia 18 março de 1928, num poema que, significativamente, se chamava “Manhã”, e que dizia: (Lê.)

“O jardim estava em rosa ao pé do sol / E o ventinho de mato que viera do Jaraguá, / Deixando por tudo uma presença de água, / Banzava gostado na manhã praceana.

Tudo limpo que nem toada de flauta. / A gente si quisesse beijava o chão sem formiga, / A boca roçava mesmo na paisagem de cristal.

Um silêncio nortista, muito claro! / As sombras se agarravam no folhedo das árvores / Talqualmente preguiças pesadas. / O sol sentava nos bancos tomando banho-de-luz.

Tinha um sossego tão antigo no jardim, / Uma fresca tão de mão lavada com limão, / Era tão marupiara e descansante / Que desejei... Mulher não desejei não, desejei... / Si eu tivesse a meu lado ali passeando / Suponhamos Lenine, Carlos Prestes, Gandhi, um desses!...

Na doçura da manhã quase acabada / Eu lhes falava cordialmente: - Se abanquem um bocadinho. / E havia de contar pra eles os nomes dos nossos peixes, / Ou descrevia Ouro Preto, a entrada de Vitória, Marajó, / Coisa assim, que pusesse um disfarce de festa / No pensamento dessas tempestade de homens.”

Muitos anos depois, um outro poeta, nas suas memórias, lembraria o encontro com o nosso homenageado, um início de depoimento que, inclusive, foi aqui citado na conclusão, pelo Ver. Werner Becker, Pablo Neruda. Dizia ele: “Quando em Isla Negra recebi um convite para visitar o Brasil e conhecer Prestes, aceitei imediatamente. Soube, além disso, que não havia outro convidado estrangeiro e isto me lisonjeou. Senti que, de alguma maneira, eu tomava parte em uma ressurreição. Depois de mais de dez anos de prisão, Prestes tinha sido posto em liberdade. Essas longas prisões não são excepcionais no “mundo livre”. A mulher de Prestes, alemã de origem, foi entregue pela ditadura brasileira à Gestapo. Os nazistas a acorrentaram ao navio que a levava ao martírio. Deu à luz uma menina que hoje vive com o pai, resgatada dos dentes da Gestapo pela infatigável Dona Leocádia Prestes, mãe do líder. Após ter dado à luz no pátio de um cárcere, a mulher de Luiz Carlos Prestes foi decapitada pelos nazistas. Todas essas vidas martirizadas fizeram com que Prestes jamais fosse esquecido durante seus longos anos de prisão. Eu estava no México quando morreu sua mãe, Dona Leocádia. Ela tinha percorrido o mundo pedindo a libertação de seu filho. O general Lázaro Cárdenas, ex-Presidente da República mexicana, telegrafou ao ditador brasileiro pedindo para Prestes alguns dias de liberdade que lhe permitissem assistir ao enterro da sua mãe. O Presidente Cárdenas, em sua mensagem, responsabilizava-se pelo regresso de Prestes à prisão. A resposta de Getúlio foi negativa. Compartilhei da indignação de todo o mundo e escrevi um poema em honra de Dona Leocádia, em lembrança de seu filho ausente e execrando o tirano. Li-o junto ao túmulo da nobre senhoras que, em vão, bateu às portas do mundo para libertar seu filho. Meu poema começava sobriamente: “Senhora, fizeste grande, muito maior nossa América. / Deste-lhe um rio puro de águas colossais, / Deste-lhe uma grande árvore de raízes infinitas: / Um filho seu digno de sua pátria profunda.”

Porém, à medida em que o poema continuava, fazia-se mais violento contra o déspota brasileiro. Continuei lendo em toda parte, tendo sido reproduzido em octossílabos e em cartões-postais que percorreram o continente. Certa vez, de passagem no Panamá, incluí-o em um dos meus recitais, logo depois de ter lido meus poemas de amor. A sala estava repleta e o calor do istmo me fazia transpirar. Começava eu a ler, quando senti minha garganta se ressecando. Detive-me e alonguei a mão para uma jarra que estava perto de mim. Nesse instante vi que uma pessoa vestida de branco se aproximava apressada da tribuna. Pensando tratar-se de um empregado subalterno da sala, estendi-lhe a jarra para que a enchesse de água. Mas o homem vestido de branco a rechaçou indignado e, dirigindo-se à assistência, gritou nervosamente: “Sou embaixador do Brasil. Protesto, porque Prestes é somente um delinqüente comum.” A estas palavras, o público o interrompeu com assobios estrondosos. Um jovem estudante, largo como um armário, surgiu do meio da sala e, com as mãos perigosamente dirigidas à garganta do embaixador, abriu caminho até à tribuna. Corri para proteger o diplomata e, por sorte, pude conseguir que saísse do recinto sem maior dano para sua investidura. Com tais antecedentes, minha viagem de Isla Negra até o Brasil para tomar parte no regozijo popular, pareceu natural aos brasileiros. Fiquei surpreso, quando vi a multidão que enchia o estádio do Pacaembu, em São Paulo. Dizem que tinha mais de cento e trinta mil pessoas. As cabeças se divisavam pequeníssimas dentro do vasto círculo. Ao meu lado Prestes, diminuto de estatura, pareceu-me um Lázaro recém saído do túmulo, elegante e correto para a ocasião. Era seco e branco até a transparência, com essa brancura estranha dos prisioneiros. O olhar intenso, as grandes olheiras arroxeadas, as delicadíssimas feições, a grave dignidade, tudo recordava o longo sacrifício da sua vida. No entanto, falou com a serenidade de um general vitorioso.”

Podemos relembrar, também, que, passado este período, e devolvido ao exílio de mais de quinze anos, após o golpe militar de 1964, Prestes retornava em 1979, colocando-se uma vez mais na luta política, e sobre a qual ele mesmo depunha, em 1983: (Lê.) “Eu não tenho, nem jamais tive a ilusão de chegar ao poder. Em 24, não tinha essa ilusão. Em 22, talvez tivesse. A conspiração estava muito adiantada, o Marechal Hermes Rodrigues da Fonseca estava agindo conosco. Era toda a Vila Militar, várias guarnições. Nós, tenentes, pensávamos que chegaríamos ao poder. Não chegamos. Foi a primeira grande decepção que tive na minha vida. Principalmente, porque a unidade militar onde eu servia, que estava toda preparada para o levante, não fez nada. Meus último anos de vida eu dedicarei a organizar o partido revolucionário. As energias que ainda me sobram eu vou dedicar ao combate do projeto militar para o Brasil. E que Projeto é esse? É o projeto de uma democracia tutelada. Desde que o AI-5 foi extinto, nós tiramos a formulação de fascista de nossa análise sobre o Estado brasileiro. Já não há tortura, assassinatos, nem a perspectiva brutal contra os comunistas, embora permaneçam traços do fascismo, como o recente pacote eleitoral, na ocasião. Isto cessou, mas agora temos o terrorismo. E não há dúvida alguma de que suas raízes estão nos porões da ditadura. Está evidenciado que é o Doi-Codi que coloca as bombas, como a do Riocentro. Só não vêm quem não quer. O que significa isso? Que a essência do fascismo está de pé. O que os militares querem é uma fórmula democrática que lhes permita controlar tudo. É o sistema militar que quer dar as cartas.” Dizia, então, na ocasião: “Figueiredo faz parte deste sistema, todos os presidentes fizeram parte deste sistema. São elementos deste sistema que são escalados como ditadores. Amanhã, substituirão Figueiredo por outro. E continuarão fazendo assim, até que um dia o movimento de massas se torne suficientemente forte para quebrar esse regime”. (Palmas.)

Infelizmente, do acerto desta análise, o desastre da Nova República veio à testa, e os acontecimentos da última semana também. Mas Prestes continuou sendo oportuno nas suas manifestações, sem oportunismo. (Palmas.)

(Lê.) “Talvez o nosso comandante nos deva ainda uma coisa, a nós e ao Brasil, uma biografia escrita do seu próprio punho, com o suor e o sangue de lutas e sacrifícios em mais de sessenta anos de atividades públicas”, como lhe cobrava, ainda há algum tempo, em livro, Paulo Cavalcanti. (Lê.) “O último de uma geração de grandes nomes que se envolveram em campanhas pela renovação dos nossos costumes políticos, mito, herói, símbolo, lenda e guia de milhões de brasileiros, seu compromisso histórico não é só somente com os comunistas, mas com toda a Nação, no que ela possui de mais expressivo.” (Palmas.)

Por tudo isso, ao lado do companheiro Ver. Pedro Ruas, em nome das novas gerações, homenageamos, hoje, aquele que poderia ter sido um tranqüilo avô de muitos de nós, mas que se tornou patrimônio de todos, até mesmo dos seus inimigos. Homenageamos hoje um homem que poderia ter sido pacato cidadão explorado deste espezinhado País, mas que preferiu ser um ferido líder rebelde, cujo grito de protesto espalhou-se em longa marcha, através de décadas por toda a Nação e o mundo. Homenageamos, hoje, enfim, a liberdade, e um seu guerreiro, Luiz Carlos Prestes. Tão maior porque, exatamente nas suas eventuais contradições, foi sempre humano e, enquanto gente, mais que nunca, viverá no coração de todos nós. (Palmas.) Muito obrigado. (Palmas.)

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: Com a palavra, o Ver. Flávio Coulon, pelo PMDB.

 

O SR. FLÁVIO COULON: Sr. Presidente, Srs. Vereadores, demais componentes da Mesa, o PMDB não poderia deixar de vir a esta tribuna trazer a sua homenagem a um homem que não faz parte da história do Brasil, um homem que é a própria história do Brasil. E mais do que poderia expressar este modesto orador, a importância deste homem para o Partido que represento, está aqui demonstrada pela presença do Governador do Estado do Rio Grande do Sul, bem como de vários de seus Secretários e vários de seus Assessores, que aqui trazem a sua homenagem a esta figura mitológica, que povoou os sonhos da minha juventude e que continua povoando os sonhos desta juventude que está aí, por este Brasil a fora. Mas não é só o Estado do Rio Grande do Sul que se faz presente. Porto Alegre também está aqui, na figura do nosso Prefeito, que também traz aqui a homenagem da Cidade e que resgata, através do Vereador Pedro Ruas e através da Câmara de Vereadores, uma dívida com Luiz Carlos Prestes. Mas Cavaleiro da Esperança Capitão Brasil, aonde fui buscar a coragem para vir saudar Luiz Carlos Prestes? Primeiro, na coragem de Luiz Carlos Prestes, segundo na ilusão de que depois dos discursos aqui proferidos, depois do que esse homem já ouviu de Pablo Neruda, Jorge Amado, Romeu Rolan, Dolores e de toda a intelectualidade do mundo, tenho a ilusão de que, através dos ouvidos, esse homem praticamente não tem mais nada a ouvir em matéria de homenagem e reconhecimento pela sua vida; a ilusão que tenho é de que esses olhos de 89 anos, esses olhos brilhantes, de um moço, estão conseguindo, através deles, ver realmente o reconhecimento da Nação Brasileira. Porque, Cavaleiro da Esperança, aqueles 1.500 que te seguiram, hoje estão aqui, e os teus olhos estão vendo, são milhares nesta Nação, que reverenciam esta figura impoluta, que atravessou a história do Brasil, atravessou a dor, alegrias, tristezas, reto, monolítico, granítico, Luiz Carlos Prestes, assim é Cavaleiro da Esperança que eu te saúdo e te reverencio brevemente, dizendo que aos teus 89 anos de história do Brasil, os teus olhos estão podendo ver, o teu intelecto está podendo sentir, os teus ouvidos estão ouvindo, que continuas sendo, no panorama político do Brasil, a única esperança que continua sendo a única esperança. (Palmas.) E continua sendo dentro deste panorama político de homens que sucedem por aí, o único homem que jamais deixou de ser a esperança, aquela esperança que está grudada em ti, na tua integridade, no teu idealismo, na tua honestidade que conservaste e que conservas até este momento e que certamente conservarás até o fim dos teus dias.

Assim sendo, “Cavalheiro da Esperança”, acho que não há uma homenagem maior do que chegar ao fim da vida sendo esperança. Muito obrigado. (Palmas.)

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: Convidamos o autor da proposição, Ver. Pedro Ruas, para fazer a entrega do Diploma ao homenageado.

 

(É feita a entrega do Diploma.) (Palmas.)

 

A seguir, a Câmara Municipal de Porto Alegre tem a honra de conceder a palavra ao homenageado, Luiz Carlos Prestes, Cidadão Emérito de Porto Alegre. (Palmas.)

 

O SR. LUIZ CARLOS PRESTES: Exmo. Sr. Presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre, Dr. Brochado da Rocha; Exmo. Sr. Governador do Estado, Dr. Pedro Simon; Exmo. Sr. Prefeito Municipal, Dr. Alceu Collares; demais membros da Mesa, a minha homenagem; aos Srs. Vereador aqui presentes também o meu agradecimento, minhas Senhoras e meus Senhores.

Compreenderão a minha situação, direi algumas palavras de agradecimento a iniciativa desta Câmara Municipal, da minha cidade natal, que é Porto Alegre, de me conceder este título de “Cidadão Emérito” da Capital. Sinto-me emocionado, com as palavras que acabo de ouvir dos diversos oradores dos representantes dos partidos políticos nesta Casa. Naturalmente as palavras pronunciadas refletem uma generosidade excepcional para comigo e refletem, também, os sentimentos patrióticos, os sentimentos democráticos do povo de Porto Alegre. Diante das manifestações, eu reflito sobre a minha própria vida e procuro onde estão as raízes que justifiquem tão excepcionais manifestações de afeto, de carinho, de reconhecimento, pelos dias já vividos em minha longa vida. E só posso compreendê-los dirigindo o meu pensamento aos brasileiros que me acompanharam na marcha através do Brasil. A eles é que cabem estes elogios, a eles é que cabem um diploma tão alto, tão elevado, tão generoso como este de Cidadão Emérito de Porto Alegre.

Na Coluna existiam patriotas brasileiros de todos os Estados, foram eles os mais sacrificados, foram eles que revelaram as imensas qualidades de nosso povo, muitas vezes caluniados, vivendo em condições de maior miséria, de atraso cultural, cerca de dois milhares de pessoas que passaram pela Coluna, que lutaram na Coluna, que atravessaram o País inteiro, de Norte a Sul, de Leste a Oeste, eles é que podem merecer elogios como foram aqui pronunciados, que a mim comovem porque me fazem lembrar os sacrifícios deles, dos meus soldados, na Coluna.

Não foi fácil, companheiros, aquela travessia, naquela época. Eu penso que se a Coluna produziu alguma coisa de bom na história de nosso povo, é porque ela reflete as qualidades de nosso povo tão caluniado por intelectuais, inclusive intelectuais de valor, esses que afirmam que o povo brasileiro só quer saber de Carnaval e de futebol. Isso não é fato. A marcha da Coluna revelou que aquela parcela que sobra da mortalidade infantil, que assume números cada vez maiores em nosso País é, efetivamente, um ser humano vigorosamente forte. Era aquele soldado capaz de fazer 60 quilômetros por dia, a pé; era aquele homem que revelava, nas sentinelas, nos postos mais perigosos, uma abnegação total, porque, para dar um sinal convencionado de dar um tiro para anunciar a aproximação do inimigo, sabendo que ia morrer, o tiro era dado. Esse era o soldado da Coluna que, graças a ele, pôde percorrer o País, em 25 mil quilômetros, nas condições daquela época, de 24 a 27, revelando as qualidades físicas, a robustez daquele que sobrou da mortalidade infantil e o talento do nosso povo que, em poucos dias, analfabeto, sem profissão, assimilava a tática da guerrilha e a punha em prática racionalmente. De maneira que, meus amigos, se a Coluna produziu algo de positivo, foi isso, foi essa revelação das qualidades do nosso povo.

Posteriormente, meus amigos, teve ocasião, durante a marcha, de conhecer melhor, mais diretamente a situação do nosso povo do interior, do trabalhador agrícola. Encontrar pelo Brasil afora homens de cabelos brancos, pais de muitos filhos, ajoelhados sobre a terra, lavrando a terra com uma faquinha de mesa, dessas de cabo de madeira, sem o cabo, seguravam na lâmina no lugar do cabo, e cutucavam a terra para plantar o milho, feijão para sua alimentação. Perguntávamos a eles: mas vocês não tem uma enxada? Eles respondiam: há muitos anos não vimos uma nota de um mil réis, unidade monetária da época. Foi esse quadro, verificado pelo Brasil afora, que me convenceu que estávamos errados, que não era a luta contra o Presidente Bernardo, pela sua substituição por outro brasileiro de destaque que resolveria um problema tão sério. Estávamos diante de um problema social gravíssimo, de um paradoxo, nesse País imenso, milhares e milhares de brasileiros não ter um palmo de terra para sobreviver. Foi isso que me obrigou a compreender que estávamos num caminho falso, que não era a simples substituição do Presidente da República que permitiria alcançarmos alguns dos objetivos políticos dessa marcha, que estava no voto direto, na liberdade de imprensa e noutros direitos democráticos que ainda hoje são privados ao nosso povo.

Qual a causa disso tudo? Formado numa escola militar para matar o povo, para submeter o povo à disciplina de governos reacionários, não conhecíamos sociologia e não tínhamos uma explicação racional para essa situação. E, foi por isso e, compreendendo que quem mais sofria com a guerra civil, apesar de todo esforço que fazíamos para não causar mais sofrimento a essa população, pois sabíamos que a população sofria com a guerra civil, por que os inimigos, com as tropas que nos perseguiam, cometiam desatino contra o povo. E nós mesmos, que tínhamos no cavalo uma arma, mesmo do camponês que só tinha um cavalo, tínhamos que requisitá-lo e isso era um prejuízo imenso para o trabalhador do campo que mal possui um animal. E compreendemos, portanto, que era necessário, estava na hora de procurarmos outra solução e que o primeiro dever nosso era estudar a história do nosso País e procurar as raízes de uma situação tão dolorosa em nosso Brasil, o que nos obrigou a tomar a solução de ter que por fim à marcha, procurar a fronteira estrangeira mais próxima, na Bolívia, entrarmos no País estrangeiro para facilitar a volta dos nossos soldados às suas famílias e, posteriormente, procurar um centro cultural de importância como Buenos Aires para, como autodidata, procurar as raízes dessa situação. E foi nessa busca que encontrei as obras de Marx, Lênin que satisfizeram a minha razão, a minha mente porque nos davam, realmente, as origens de semelhante situação. Daí a minha próxima adesão ao Comunismo, como se dizia, e que era caluniado em toda a América Latina. Estudei nas obras de Marx, Engels e Lênin qual o processo histórico da humanidade, porque a humanidade já passara por outras sociedade divididas em classes: o escravagismo que nasceu, desenvolveu-se, cresceu, atingiu o auge, entrou em decadência e morreu e foi substituído no mundo inteiro pelo Feudalismo, o mesmo acontecendo com esta sociedade dividida em classes entre a Aristocracia e o Trabalhador do campo o servo da gleba e que o capitalismo era, também, uma sociedade dividida em classes e com as outras sociedades ao contrário do que muita gente pensava, não tinha nada de eterno, ele também evoluía, tendia a crescer, chegava a uma nova etapa já no fim do século passado, a etapa imperialista e que entrava numa curva descendente e que também morreria para ser substituída, finalmente, por uma outra sociedade efetivamente livre da exploração do homem pelo homem. É assim companheiros que eu vejo o comunismo, foi assim que eu cheguei a lutar por essa nova sociedade.

O comunismo ainda hoje é bastante caluniado, apesar de já estar no poder a etapa socialista da sociedade que marcha para o comunismo, a verdade é que as calúnias e os ataques continuam por incompreensão. No entanto, estou convencido de que lutando, pelo fim do capitalismo e a substituição por uma sociedade nova, livre, efetivamente, da exploração do homem pelo homem, não faço nada mais do que me colocar no sentido histórico do desenvolvimento da humanidade. Esse é o dever de um cidadão que compreende e estuda a história da humanidade, como já fizeram os filósofos do Séc. XVIII, armando o povo francês para a grande revolução burguesa de 1789, colocar-se no sentido de que a história, efetivamente, se desenvolve. Penso não haver crime nisto e penso que só aí está realmente a verdadeira posição de um revolucionário, de alguém que luta pelo próprio bem-estar de seu povo. A Nação, meus amigos, é o povo; é o povo brasileiro que reclama modificações profundas na sociedade atual. (Palmas.)

A fome, a miséria, assumem proporções inauditas em nosso País, no nosso povo e medidas não tomadas pelos governantes brasileiros para resolver esses problemas. Já em março de 81 tive a ilusão de conseguir convocar todas as forças sociais de nosso País.

Vamos discutir, vamos examinar a situação do nosso povo; vamos ver o que será possível fazer para darmos um passo para minorar os sofrimentos do povo, porque considero que este é o primeiro dever de um governo: voltar-se para o povo e procurar minorar o seu sofrimento. Acrescentava, então, um projeto de medidas que propunha discutir com todas as classes sociais, mas não consegui que essas discussões se realizassem. Esse documento está publicado, pois propúnhamos questões que, qualquer governo, querendo, poderia pô-las em prática. Se não podem aumentar os salários, vamos reduzir os preços de alguns produtos indispensáveis à alimentação do povo. Não fazer um congelamento geral, como os economistas heterodoxos pretenderam em fevereiro de 1986, e como é sabido fracassou. Passamos do congelamento de preços à recessão, que para o trabalhador é pior do que a inflação, porque é a perda do emprego, é a perda do salário indispensável à alimentação do povo. Então, propúnhamos que alguns produtos indispensáveis à alimentação do povo fossem congelados em preços inferiores aos atuais, acessíveis, portanto, ao salário mínimo, que vem baixando de ano para ano. Em 1985, no governo do Sr. Sarney, o salário mínimo já estava reduzido a 1/3 do que devia ser o salário real para corresponder ao salário real de 1941, que era o primeiro salário legalizado pelo Sr. Getúlio Vargas, foi assinado um Decreto legalizando o salário mínimo. Mas, em 1986 já estava reduzido a 1/4, e neste ano já está reduzido a cerca de 1/7 ou 1/8 do que devia ser o salário para corresponder ao que devia ser o salário mínimo em 1941, há 46 anos atrás.

Esta é a primeira medida que propúnhamos; a segunda é um salário desemprego para aqueles que perdem seus empregos, o que constitui a maior tragédia para o chefe de família operária, ficar de noite para o dia sem recursos para alimentar seus filhos. A terceira medida, é que a esses que estão reduzidos à miséria absoluta, sem nenhuma fonte de renda, o Governo teria obrigação de cuidar da sua alimentação, assegurar no mínimo para sobreviverem sem o menor sofrimento.

Este programa está no papel, mas dificilmente pode ser posto em prática porque as classes dominantes não querem discutir nenhum programa neste sentido. E os militares pensam que ser patriota é simplesmente ter uma força armada a cada dia mais dispendiosa, mais poderosa, se possível fabricar a bomba atômica aqui no Brasil, no momento em que no mundo inteiro as forças mais progressistas, mais avançadas conseguem este grande passo no movimento da paz e da coexistência pacífica entre os povos, com a eliminação das armas atômicas no Continente Europeu.

Sendo, portanto, comunista, não estou fazendo nada mais do que seguir o processo histórico da humanidade. A humanidade marcha é nesta direção. Não é o anti-comunismo que vai impedir que esta marcha leve ao sucesso e que deve, realmente, alcançar no Brasil e nos demais países da América Latina uma sociedade nova, livre, efetivamente, da exploração do homem pelo homem.

À Câmara Municipal de Porto Alegre, por seu intermédio, ao povo, à democracia existente nesta Cidade de Porto Alegre que os Senhores representam, os meus agradecimentos por esta alta honra de me entregarem este título de Cidadão Emérito de Porto Alegre. Muito obrigado. (Palmas.)

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: Sr. Luiz Carlos Prestes, cabe a esta Presidência, uma vez mais, renovar a nossa satisfação da sua presença nesta Casa.

Já nos encontramos nela uma vez, quando V. Sa. retornava do exílio e esta Casa, como nesta ocasião e naquela, era repleta de figuras notórias da nossa sociedade. V. Ex.ª, como bem disseram os oradores, não foi realmente homenageado por esta Casa, V. Ex.ª, com sua presença, homenageia esta Casa. (Palmas.) Para tanto, V. Ex.ª poderá comprovar que o ato de hoje em que lhe concede o título de Cidadão Emérito de Porto Alegre não só foi proposto pelo Ver. Pedro Ruas, mas, também, conta, aqui, com a presença do Sr. Prefeito Municipal Dr. Alceu Collares e com a presença do nosso Governador Dr. Pedro Simon. Portanto, a sociedade política do Rio Grande do Sul e de Porto Alegre se faz presente neste momento, homenageando um filho desta Cidade e um filho deste Estado. (Palmas.)

Acredite, homenageado Luiz Carlos Prestes que, independente de quaisquer ideologias, quando se diz lá fora que se é gaúcho, muitos de nós indagam e perguntam: “E a história de Luiz Carlos Prestes, pode nos contar? Sendo ele filho daquela terra, o senhor tem obrigação de nos contar.” De maneira que, quando saímos do nosso Estado, temos um legado. E acredito que nos Anais da Câmara, hoje, fica um fato material do qual nós todos, gaúchos porto-alegrenses, podemo-nos orgulhar, honrando esse compromisso que nos cobram além das fronteiras do Rio Grande. Agradeço, sobremaneira, a presença do Sr. Prefeito, do Sr. Governador do Estado e de todas as autoridades aqui presentes e representadas, acreditando que todos nós cumprimos com a nossa obrigação.

Nada mais havendo a tratar, estão encerrados os trabalhos.

 

(Levanta-se a Sessão às 18h20min.)

 

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